O último grande europeísta
“A Europa deve saber defender
o que lhe é caro junto dos seus aliados
- sempre que estiverem preparados para
o fazer ao nosso lado - e sozinha ,se necessário.”
Emmanuel Macron,
presidente da França
Quando fala da Europa e dos riscos e desafios do projeto europeu, Macron tem quase sempre razão. O que já não é tão certo é que o presidente da França seja ouvido com a devida atenção por outras chancelarias relevantes, como Berlim, Roma ou - fora da UE - em Washington ou Londres.
A menos de um mês das eleições europeias mais relevantes das últimas décadas, vale a pena recuar três semanas para detalharmos o que Macron disse na Sorbonne, a 25 de abril passado.
Há três ideias fortes a reter dos 108 minutos de discurso eloquente e muito acertado do presidente francês: a primeira, aponta para a necessidade de se avançar para uma Defesa europeia mais forte e integrada; a segunda, passa pela autonomia estratégica, que pressupõe menor dependência dos EUA; a terceira, prevê uma visão de uma União Europeia mais assertiva no cenário mundial.
“Existe o risco de a nossa Europa morrer. Não estamos equipados para enfrentar os riscos.” Seria bom poder menorizar estas palavras do presidente francês e perorar sobre um alegado alarmismo ou exagero.
Infelizmente, não é o caso.
Macron tem razão. Mas isso não basta. Com mais três anos no Eliseu e sem maioria parlamentar desde 2022, terá o presidente da França condições de concretizar em ações e análise correta o que conseguiu exprimir em palavras?
A Europa de Macron tem como objetivo tornar-se líder mundial em cinco setores-chave: Inteligência Artificial, computação quântica, espaço, biotecnologias, Energia (renováveis e nuclear).
Mas será muito mais do que isso. A chave é preservar um quadro de valores que nos distingue, neste mundo de crescentes ameaças das potências revisionistas: “Nunca devemos esquecer que nós, europeus, não somos como os outros. Temos um especial apego à liberdade, democracia, Estado de Direito e igualdade. Estes valores estão cada vez mais sob ameaça da desinformação e da propaganda.” O desafio é enorme: “As regras do jogo mudaram em várias frentes, incluindo a geopolítica, a economia, o comércio e a cultura. Devemos estar lúcidos sobre o facto de que a nossa Europa hoje é mortal. Pode morrer. Pode morrer e isso depende, unicamente, das nossas escolhas. Mas essas escolhas têm de ser feitas agora.”
Primeira certeza: a Rússia não pode ganhar
Sem nuances ou rodeios, Macron apontou: “A Rússia é a potência desestabilizadora da Europa. A sua principal ameaça.”
Ele, que nas vésperas da invasão de 24 de fevereiro de 2022, se deixou enganar pelo canto de sereia de Putin (o presidente russo garantiu, por mais que uma vez, ao telefone ao homólogo francês que não ia decretar a invasão em larga escala da Ucrânia), sabe bem do que está a falar.
“A Rússia não pode ganhar na Ucrânia”, insistiu Macron. “Não há defesa sem uma indústria de Defesa. Tivemos décadas de desinvestimento. Temos de produzir mais, temos de produzir mais rápido e temos de produzir como europeus.”
Este aumento nos investimentos poderia ser financiado através do aumento da dívida comum da UE.
Segunda asserção: definir um grande plano de investimento coletivo
A Europa corre o risco de ficar para trás economicamente, num contexto em que as regras globais do comércio livre estão sob forte pressão dos principais concorrentes. É preciso reduzir burocracias para as pequenas e médias empresas.
A resposta é um “pacto de prosperidade” que incluiria “ondas de simplificação de regras”, ao longo do próximo mandato, para permitir às empresas escalarem rapidamente a nível europeu e uma política industrial para impulsionar os setores mais ecológicos.
A UE precisa de um “grande plano de investimento coletivo”.
Terceiro alerta: a UE tem de ser relevante na nova ordem multipolar
Macron alertou para a importância de a Europa se afirmar como terceira potência nos contextos político e militar, atrás de EUA e China - para ser capaz de defender os seus próprios interesses.
O modelo europeu corre o risco de morrer devido à rivalidade EUA-China, e a próxima década será decisiva para a sua sobrevivência, alerta Macron. “Os Estados Unidos da América têm duas prioridades: em primeiro lugar, os Estados Unidos da América, que é legítimo. E em segundo lugar, a China. A questão europeia não é uma prioridade geopolítica para os anos e décadas vindouros, qualquer que seja a força da nossa aliança.”
Por isso, a Europa “tem de mostrar que também sabe falar a todas as regiões do mundo: aos países emergentes, a África, à América Latina”.
Esperemos que os eleitores europeus mostrem que estão em sintonia com o presidente da França sobre as decisões difíceis de tomar para proteger a mais bela e bem-sucedida construção política do último século.