Cerca de dois terços do oceano global está fora de qualquer jurisdição nacional, constituindo o chamado alto-mar. Esta vastidão azul tem sido uma espécie de ‘terra de ninguém’, onde a exploração de recursos e a proteção ambiental dependem mais da boa vontade dos Estados e das empresas, do que de um quadro jurídico vinculativo com regras claras. O resultado foi, durante décadas, a sobrepesca, a poluição e a destruição da biodiversidade marinha. Foi um exemplo perfeito da ‘tragédia dos comuns’ se considerarmos também os graves problemas criados pela acidificação e pelo aquecimento do oceano associados à emissão de gases com efeito de estufa.Na semana passada, o Tratado do Alto-Mar alcançou finalmente o número mínimo de 60 ratificações necessárias para a sua entrada em vigor. Trata-se de um momento histórico porque a proteção do oceano era uma lacuna evidente no edifício multilateral das Nações Unidas para proteção do ambiente. Portugal, como nação marítima com um entendimento sólido da importância estratégica de proteger o oceano, desempenhou um papel importante nas negociações, mobilizando esforços diplomáticos e científicos para garantir um acordo.Os impactos concretos deste tratado serão múltiplos e significativos. Por exemplo, teremos a possibilidade de criar áreas marinhas protegidas em alto mar, fundamentais para travar a perda de biodiversidade. O tratado impõe também avaliações de impacto ambiental para atividades potencialmente lesivas e estabelece mecanismos para a partilha justa dos benefícios resultantes da exploração de recursos genéticos marinhos. Prevê também mecanismos de cooperação com países em desenvolvimento para transferência de conhecimento e de tecnologias marítimas. Estas medidas contribuirão para uma maior equidade na utilização dos oceanos e na defesa dos ecossistemas marinhos.A entrada em vigor do tratado é um marco histórico, mas é um primeiro passo. Os desafios à sua efetiva implementação são enormes. O tratado não tem mecanismos de fiscalização independentes e robustos e dá a possibilidade aos Estados de optarem por não aderir a determinadas áreas marinhas protegidas. Acresce ainda o risco de que a análise dos impactos ambientais de novas atividades no alto-mar fique demasiado dependente dos próprios países proponentes, enfraquecendo a transparência e o rigor científico dos processos. Por fim, o facto de potências marítimas como os Estados Unidos da América e a Rússia não terem ratificado o tratado poderá comprometer a sua ambição global.Para Portugal, país com uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo, este tratado é da maior relevância, abrindo novas oportunidades para a ciência, a economia azul e a diplomacia ambiental. Devemos definir o sucesso da sua implementação como uma prioridade política nacional e dedicar-lhe os recursos adequados. O futuro do oceano joga-se, em grande parte, no alto mar. Portugal deve estar na linha da frente deste desafio global. Ex-Diretor Geral de Política do Marhttps://www.dn.pt/author/fausto-brito-e-abreu