O terceiro golpe

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Jair Bolsonaro talvez seja o único presidente da história a tentar três golpes contra o próprio país. O primeiro foi sanitário: retardou a aquisição de vacinas contra a covid-19, calou-se a propósito de um esquema de corrupção em torno dessa aquisição, desaconselhou o seu uso em favor de remédios ineficientes, estimulou aglomerações e a meio da pandemia trocou um ministro da Saúde médico por um ministro da Saúde general paraquedista. O epidemiologista Pedro Hallal estimou em 400 mil mortes evitáveis caso o governo tivesse outra atitude. 

Depois veio a tentativa de golpe contra a democracia, em julgamento sob o comando de Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal (STF), que o mesmo bolsonarismo que incensava o juiz Sérgio Moro quando o hoje senador perseguia o outro lado, agora considera muito parcial. Segundo a acusação, Bolsonaro teve em mãos uma minuta com o passo a passo do golpe e editou-a, recebeu militares que tinham um plano para matar Lula da Silva, Geraldo Alckmin e o citado Moraes e deixou que o documento fosse impresso no Planalto.

Agora veio o golpe económico-judicial: de tanto cutucar os pares extremistas norte-americanos, o deputado Eduardo Bolsonaro conseguiu que Donald Trump lançasse uma ofensiva contra todos os setores da economia em que o Brasil consegue competir com os EUA, o que pode, calcula a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, causar um prejuízo equivalente a 27 mil milhões de euros ao PIB brasileiro. A não ser, disse Trump, que o STF livre Bolsonaro dos processos em tribunal. 

Moraes ameaçou prender o ex-presidente do Brasil por este ter violado medidas cautelares - uso de tornozeleira eletrónica, obrigação de recolher a casa entre às 19 horas e as seis do dia seguinte e ao fim de semana - no contexto do inquérito aberto contra Eduardo por coação do judiciário brasileiro via governo norte-americano. À hora que este texto é escrito, Bolsonaro está solto, à hora que for lido não se sabe. Entretanto, isso está longe de ser inédito no Brasil.

Afinal, tanto o antecessor como o sucessor do talvez pior presidente da história do Brasil passaram pelo mesmo: Michel Temer esteve detido por quatro dias, em 2019, após depoimento de um delator da Lava-Jato; e Lula passou 580 dias numa cela noutro episódio da mesma operação policial. Aliás, em abril deste ano, Collor de Mello foi preso. 

Lá atrás, Jânio Quadros esteve confinado por 120 dias em 1968 por criticar a ditadura. E Juscelino Kubitschek, em 1967, foi preso alguns dias por participar de uma frente pela democracia. Café Filho esteve detido em casa em 1954, Artur Bernardes passou pela cadeia em 1932 e exilou-se por ano e meio em Portugal. Washington Luiz passou pela prisão após golpe de estado de Getúlio Vargas, em 1930, e Hermes da Fonseca foi mandado para uma cela pelo sucessor, Epitácio Pessoa, em 1922, por criticar uma medida governamental.            

Mas nenhum dos nove presidentes presos anteriormente golpeou o Brasil tanto como Bolsonaro.

*Jornalista, correspondente em São Paulo

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