Durante muito anos, com intervalos, vivi em Lisboa, cidade que adoro. Tenho então a memória de na minha adolescência ver os lavadores de rua que com fortes agulhetas percorriam as diferentes artérias da cidade deixando-as numa limpeza imaculada. Essa imagem desapareceu, durante anos, do meu quotidiano, até que, recentemente, há dias, vi com enorme alegria um grupo de lavadores que com uma forte agulheta deixou a minha rua num brinquinho. Mas que surpresa agradável ! Há anos que não via semelhante imagem.Pensei de imediato. Estamos em tempo de eleições e as instituições fazem, nas eleições, e apenas durante o período pré-eleitoral, tudo o que deveria ser feito na normalidade do dia-a-dia.Mas, afinal, de que se ocupam estes funcionários, os tais lavadores de rua ou outros quaisquer, quando não estamos em época de eleições? Onde estão? Qual a sua função? Ou foram contratados agora, à última da hora, para nos impressionarem? Para a caça ao voto!Esta questão das instituições só funcionarem na totalidade das suas competências em tempo de eleições é um atraso e um sinal da imaturidade da nossa democracia. As instituições, os organismos do Estado, devem cumprir as suas funções com rigor e na sua plenitude, permanentemente, sem olharem aos calendários eleitorais. Se os protagonistas políticos pensam que as atitudes de última hora influenciam o voto, “tirem daí o cavalinho da chuva”. Cada vez menos os portugueses se deixam enganar pelas manobras e pela obra começada a construir em cima das eleições para uma estúpida caça ao voto. Hoje as coisas já não funcionam assim. O trabalho dos diferentes protagonistas políticos é avaliado por todo o exercício do seu mandato e não pelo show off pré-eleitoral.Infelizmente, na sociedade portuguesa, alguns responsáveis políticos estão ainda numa fase de indigência comportamental que os leva a pensar que o eleitor ainda embarca nas obras de fachada pré-eleitoral e que esse facto é decisivo na escolha do voto. Já não é, totalmente, assim. E, cada vez mais, a escolha dos eleitores está afastada dessa lógica.A actuação de acordo com calendários eleitorais é uma atitude de atraso cultural e uma prática de democracias imberbes.As instituições que suportamos com os nossos impostos devem fazer o seu trabalho, com empenho, desenvoltura e profissionalismo, permanentemente. Os funcionários são pagos para terem uma atitude profissional durante todo o espaço do seu exercício funcional. As chefias directas devem cuidar de que as instituições e os que delas fazem parte são avaliados e premiados de acordo com o seu desempenho, por longos períodos de tempo e não pelos fretes eleitorais de última hora.Os oportunos calendários eleitorais têm de desaparecer da nossa prática política. Esse é também um sinal de maturidade das nossas instituições. A Justiça deve fazer o seu trabalho no silêncio dos gabinetes, com consistência, com seriedade jurídica, com uma divulgação ao país marcada pela própria evolução dos processos. As notícias sobre os processos jurídicos em curso, em tempo de eleições, sejam eles sobre a Spinumviva de Luís Montenegro ou o processo Marquês de José Sócrates não devem ter (ou nunca deveriam ter tido) uma gestão mediática de acordo com calendários eleitorais. Se há no campo de Justiça alguma coisa de novo, em concreto, de factual, sobre este ou aquele importante megaprocesso, com significativo impacto mediático, então que se dê notícia dele, com factos relevantes que demonstrem a sua evolução e as boas razões jurídicas para que o país tenha conhecimento deles, independentemente de calendários eleitorais ou outros quaisquer mecanismos fora de uma saudável razão funcional que justifique que os portugueses sejam informados.É assim que funcionam as democracias avançadas, amadurecidas. Não embarquem pois, caros leitores, nas eleições do próximo domingo, na prática da caça ao voto de última hora. Avaliem quais os responsáveis políticos, no caso vertente autarcas, que melhor exerceram as suas funções com consistência e seriedade, durante o anterior mandato. Sem truques e obras de última hora. O país precisa de dirigentes sérios, dedicados à causa pública, profissionais qualificados e cumpridores das suas funções. Basta de truques fáceis e de cantos de sereias. Jornalista