O retumbante sucesso do friendshoring americano

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Na sequência de uma ordem executiva de 2021 do presidente dos EUA, instruindo a sua administração a realizar uma revisão das principais cadeias de abastecimento dos EUA, a Secretária do Tesouro dos EUA, falando no Atlantic Council, em abril de 2022, anunciou uma nova abordagem da administração Biden para navegar numa economia global mais adversa a interesses americanos, chamando-a de "friendshoring". Nas palavras de Yellen: "Não podemos permitir que os países utilizem a sua posição de mercado em matérias-primas, tecnologias ou produtos essenciais para terem o poder de perturbar a nossa economia ou exercerem uma alavancagem geopolítica indesejada. Vamos desenvolver e aprofundar a integração económica (...) com os países com os quais sabemos que podemos contar."

Esta nova política estado-unidense de busca de cadeias de abastecimento mais resilientes entre parceiros de confiança, através de "friendshoring", tem um principal destinatário - a China e as empresas chinesas - e tem-se traduzido em iniciativas como a adoção do CHIPS and Science Act, que têm sido complementadas por outras como o US-EU Trade and Technology Council (TTC), o Minerals Security Partnership (MSP), o Indo-Pacific Economic Framework for Prosperity (IPEF), e a Americas Partnership for Economic Prosperity, para "interagir com parceiros confiáveis" e "reduzir as dependências de fontes não confiáveis de fornecimento estratégico".

Para reforçar esta política, o governo estado-unidense tem vindo a explicitar uma série de países (ex: Índia, Vietname) como estando incluídos no conceito de friendshoring, sinalizando-os como melhores locais para instalação de empresas americanas. Atenta a intensificação do decoupling americano e a crescente tensão entre os EUA e a China, várias empresas americanas têm vindo a deslocalizar [parte d]a sua produção na China para países "amigos".

No plano do comércio externo, o friendshoring aparenta ser um retumbante sucesso. Em menos de dois anos, o México e o Canadá (friendshoring + nearshoring) ultrapassaram

a China como principais fornecedores de bens dos EUA em cadeias de abastecimento diversificadas. As importações dos EUA da China caem 25% no primeiro semestre de 2023; desde 2019, o superávite comercial bilateral do México com os EUA aumentou 40%. A China é agora apenas o terceiro maior fornecedor dos EUA. De acordo com alguns, o aumento das importações dos países vizinhos e parceiros na NAFTA reflete mudanças na procura dos consumidores e na diversificação da cadeia de abastecimento liderada pela pandemia.

As estatísticas mostram também que as exportações chinesas para países que estão a subir no ranking de fontes de importação dos EUA estão a aumentar. O fenómeno não é inédito. Temos vindo a assistir ao desvio comercial de produtos ocidentais para a Rússia através da Ásia Central. A extraordinária coincidência de aumento de fluxos de exportações da China para o México e o Canadá e destes dois países para os EUA leva um articulista da Bloomberg a sugerir que as empresas chinesas estão a redirecionar boa parte das suas exportações. Quando ficar claro em Washington que o brilhante plano de friendshoring gera redireccionamento de produtos exportados por empresas chinesas para os EUA via México (e Canadá), é bem possível que tal gere uma nova onda de reação protecionista americana.

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