O regresso das barracas e dos bairros de lata

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Há acerca de duas décadas que o problema da habitação tem vindo a agravar-se em Portugal perante a passividade e inércia de sucessivos governos.

A carência de habitações para os grupos mais desfavorecidos deixou de ser um exclusivo. A crise da habitação atinge já a classe média e até mesmo a classe média alta.

Porquê?

Duas razões de fundo. Numa primeira o Estado abandonou a sua função na construção de bairros sociais a preços controlados. Numa segunda, o Estado foi incapaz de manter viva a actividade privada dos construtores civis que eram responsáveis por essa área de negócio e punham casas no mercado. (lembram-se do J. Pimenta?)

Entretanto o mundo foi mudando. Dos Estados Unidos e de França chegaram a Portugal cidadãos que, por razões de segurança, ou outras, nos seus países de origem, com o seu elevado poder de compra adquiriram habitações no nosso país provocando carência e uma escalada de preços das mesmas.

O Alojamento Local foi ocupando muitos apartamentos que, anteriormente, eram dedicados ao aluguer. Actualmente, embora com grandes áreas de contenção em Lisboa e Porto, o Alojamento Local ainda sufoca o mercado de arrendamento para os portugueses.

Ainda no campo das razões explicativas está o facto dos bancos terem abandonado a capitalização do negócio da construção civil, derivando as suas aplicações de capital para áreas onde o retorno é mais rápido. Ou seja os empresários da construção civil precisam de dinheiro para construir, mas os bancos e a burocracia dificultam o acesso ao capital necessário. O período da troika provocou a falência de inúmeras pequenas e médias empresas de construção civil e lançou 300 mil operários da construção no desemprego

A ausência de habitação e a imigração originaram o reaparecimento de barracas e bairros de lata, sobretudo na área da grande Lisboa, nomeadamente em Almada. Amadora, Loures, Odivelas, Seixal e Vila Franca de Xira onde, no total, já vivem cerca de três mil famílias.

O tema é agravado pela pressão migratória, onde em Portugal já existem cerca de 1,6 milhões de imigrantes com uma expectativa de reagrupamento familiar de mais meio milhão.

Bom, se isto não é um problema para o actual governo não sei o que seja. Curiosamente não há um ministério da habitação em exclusivo, portanto presumo que a secretária de Estado da Habitação, Patricia Machado dos Santos, já esteja de mangas arregaçadas.

Neste dossier da habitação, durante anos, tivemos o habitual “deixa andar”, ausência de medidas e muitas promessas não cumpridas.

António Costa prometeu entregar 26 mil novas casas até 2026. Montenegro acrescentou mais 33 mil. Até agora foram entregues 1956 casas. Vamos esperar para ver!!!

O actual governo tem a “cabeça no cepo” quanto a esta questão.

Que fazer agora?

Há que reactivar os sectores público e privado da habitação.

O Estado terá de capitalizar ou forçar os bancos a capitalizarem a construção de casas a preços controlados. Não há empresas de construção nem mão-de-obra! Então façam como nos Estados Unidos. Apoiem empresas privadas de construção de casas pré-fabricadas ( de madeira ou afins) que serão colocadas em terrenos camarários com o respectivo saneamento.

Há em Portugal 700 mil casas vagas ou devolutas. 48 mil estão em Lisboa. Pois bem, coloquem as que for possível no mercado de arrendamento.

Antigamente tínhamos cooperativas de habitação. Porque desapareceram? O Estado que as reactive e uma vez mais obrigue a banca a disponibilizar verbas para apoiar as cooperativas.

Reconhecendo a urgência do problema Bruxelas decidiu apresentar um Plano Estratégico de Habitação até ao fim do ano e António Costa anunciou a criação de um Comissário para a Habitação.

Por cá os licenciamentos camarários para a construção de habitação estão estrangulados pela necessidade de projectos para tudo e para nada que demoram ás vezes anos a conseguir e não fazem sentido.

Recentemente um relatório de Bruxelas (relativo ao caso português) propôs um controlo de rendas e novas restrições ao alojamento local. Contudo não me parece que esteja aí o “busílis” da questão.

O governo de Luís Montenegro vai ter de criar condições para o reconstrução do mercado privado da habitação, tomar medidas corajosas de desburocratização e simplificação dos procedimentos de autorização para a construção de novas casas. E terá , naturalmente, de colocar no mercado de arrendamento os milhares de casas e edifícios que estão na posse do Estado nalguns casos em completo abandono.

Terá, também, de aplicar dinheiros públicos na construção de novos bairros com casas de renda controlada. Se o não fizer não apenas põe em causa a credibilidade do governo, como as barracas e os bairros de lata não vão desaparecer da linha do nosso horizonte social.

Jornalista

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