O regresso ao ‘outsourcing’ depois dos despedimentos?

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A proposta da ministra do Trabalho de revisão do Código do Trabalho falha, em toda a linha, naquilo que deveria ser a sua principal ambição. Refiro-me à elevação dos salários médios auferidos pelos trabalhadores residentes fiscais em Portugal e a premiação das empresas que praticam políticas remuneratórias mais ambiciosas. Ou seja, a proposta falha na sua “prova de fogo”.

Entre os diversos aspetos passíveis de análise, algumas reflexões em particular sobre a famigerada proposta de revogação do Art. 338.º-A, norma que aborda a proibição do recurso à terceirização de serviços.

Até agora, este artigo, introduzido pelo PS com a “Agenda do Trabalho Digno”, visava reforçar a proteção constitucional no que se refere ao direito ao trabalho (Art. 58.º da Constituição). Procurava, também, eliminar os incentivos perversos a favor das grandes empresas multinacionais – que dominam uma pequena economia periférica como a nossa – as quais se sentem tentadas, rotineiramente, a despedir os seus trabalhadores mais experientes, qualificados e melhor remunerados e a substituírem-nos por um exército de trabalhadores precários, oriundos do sector de trabalho temporário.

Vale a pena recordar que uma determinada instituição financeira, há cerca de três anos, reduziu um milhar de postos de trabalho, de trabalhadores maioritariamente com mais de 45 anos, para poucas semanas depois estar a preencher as mesmas posições por trabalhadores temporários, a ganharem um terço do salário. Isto apesar de ser altamente lucrativa e de ter entregue quase dois mil milhões de euros em dividendos ao acionista nos cinco anos precedentes.

Com a revogação do Art. 338.º-A, proposta pela senhora ministra, regressa, de forma despudorada, a tática dos maus gestores de despedir para terceirizar. Que importa que o desemprego estrutural de trabalhadores com mais de 40 anos seja deveras elevado em Portugal? Que milhares de quadros e técnicos sejam descartados, quais vulgares pastilhas elásticas que perderam o sabor? Que sejam empurrados para as “indústrias de biscate” mesmo tendo créditos para pagar e descendentes ainda a estudar?

O Governo propõe-se eliminar a norma que proíbe ao empregador a compra de serviços externos para preencherem as mesmas atividades que eram asseguradas por trabalhadores despedidos há menos de um ano.

Trabalhadores tendencialmente qualificados, “caros” na terminologia de maximização de “valor acionista”, meia-idade, portugueses, classe média e média alta.

Estas são as bases eleitorais urbanas do PSD, e, em menor escala, do PS, CDS e IL. Ironia das ironias, não é verdade?

Perante isto, como se podem queixar estas forças políticas de os portugueses aderirem à agenda de partidos populistas. Importa, pois, saber o que pensam desta iniciativa Luís Montenegro, José Luís Carneiro, Nuno Melo ou Mariana Leitão.

Presidente do SNQTB

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