O ranking das escolas: como anda a qualidade da construção?

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Todos os anos é publicado na comunicação social o ranking das escolas, em que ficamos a saber como anda a qualidade da educação. Não seria igualmente importante saber como anda a qualidade da construção das nossas escolas? Portugal é um país com risco sísmico moderado. Na semana passada um sismo de magnitude 3.4 foi sentido na Grande Lisboa, recordando que Lisboa é uma zona sísmica.

As crianças passam mais de 50% do seu tempo nas escolas, no entanto, sabe-se que grande parte não foram construídas nem reforçadas para responder a uma ação sísmica. Infelizmente, há evidências de que alguns edifícios escolares apresentarão riscos em futuros sismos. Ora vejamos, em 1958 surge o primeiro regulamento de estruturas que obrigava ao cálculo dos efeitos dos sismos nas construções. Portanto os edifícios anteriores a essa data não foram projetados e construídos de acordo com os requisitos sismo-resistentes então implementados, inferiores aos atuais. Em 1983 surge o regulamento que se manteve até 2019, ano em que entrou em vigor o Eurocódigo 8, e que introduziu o conceito de classes de importância dos edifícios. Isto é, em função da importância do edifício, associada à sua função e/ou consequências económicas e humanas da sua inoperacionalidade ou colapso, distinguem-se níveis de risco mais ou menos aceitáveis. Por exemplo, os equipamentos de ensino devem apresentar resistência sísmica superior aos edifícios comuns, incluindo-se nos edifícios com classe de importância III. Já os hospitais, quartéis de bombeiros e barragens incluem-se nos edifícios com classe de importância IV (edifícios cuja integridade durante o sismo é importante manter).

Do ponto de vista de segurança algumas creches e jardins-de-infância carecem de uma maior atenção e preocupação por estarem em edifícios que não foram projetados para o uso específico educacional, funcionando grande parte das vezes em edifícios residenciais, cujas exigências em termos de projeto (e consequente classe de importância) são inferiores aos dos equipamentos de ensino.

As escolas com a sua elevada concentração de pessoas, num espaço confinado e com relativo pequeno rácio adultos por criança, são de classe de importância superior à dos edifícios comuns devido à concentração de crianças e jovens e as potenciais consequências do seu colapso, merecendo por isso uma maior atenção e estudos relacionados com estes eventos.

Embora a maioria dos pais de Lisboa (e de Portugal!) presuma que todas as escolas devem estar seguras em caso de sismo, esse não é, de facto, o caso.

Após o pequeno sismo do dia 18 de março (M3.4), verificou-se destacamento de material numa EB1/JI em Lisboa. São elementos não estruturais, mas que podem causar ferimentos. Este edifício é dos anos 1950 e, após rápida análise através do Google Maps, apresenta algumas características que podem agravar o seu desempenho sismo-resistente, nomeadamente irregularidade em altura (menos paredes no piso inferior), grandes vãos, localização em terreno inclinado.

Será normal ter uma escola a funcionar num estado de degradação como o observado? Tem-se assistido, nos últimos meses, à queda de materiais mesmo sem ocorrer um sismo, pondo em risco a segurança de crianças e funcionários.

Um dos muitos problemas que podemos apontar para Portugal e para a competência dos órgãos municipais, relaciona-se com a gestão, o planeamento e a realização de equipamentos de utilização pública (como escolas, centros de cultura ou equipamentos de saúde), em terrenos cedidos pelos municípios, muitas vezes nos locais menos interessantes do ponto de vista comercial e, consequentemente, os que apresentam maior risco, por se localizarem em zonas ameaçadas pelas cheias, ou em solos de maior vulnerabilidade sísmica, ou mesmo zonas de maior declive, entre outros riscos. Outro problema deve-se à falta de informação relacionada com todo o processo, desde o conhecimento do risco à educação da população (quer em termos de risco que correm como do uso de técnicas construtivas que devem adotar ou exigir à indústria da construção), passando pelas medidas de redução do risco que cada um de nós pode adotar, e as medidas de autoproteção em caso de sismo; tudo isto são fatores que tornam uma comunidade mais ou menos preparada.

Uma escola segura pode salvar muitas vidas a uma geração de um país ou região, pode também ser utilizada como abrigo temporário após o sismo e serve igualmente para promover a cultura de prevenção e mitigação, através de atividades em conjunto com a comunidade.

Era importante criar um programa de implementação de segurança sísmica nas escolas, desde o pré-escolar, que incluísse uma avaliação do risco sísmico dos equipamentos escolares, identificando os edifícios com riscos inaceitáveis de dano ou colapso, bem como indicar a probabilidade de os edifícios serem utilizáveis após um sismo. Essa informação permitiria que fossem tomadas medidas para reduzir o risco sísmico nesses edifícios, passando muitas vezes pelo respetivo reforço estrutural. Os resultados da avaliação também informam a política de uma cidade em termos de resiliência aos sismos e metas de recuperação, bem como planeamento de emergência.

Por último, importa referir que o Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal não faz uma única vez referência à problemática do risco sísmico e da importância da segurança e reforço dos edifícios, nomeadamente dos equipamentos coletivos e infraestruturas críticas, demonstrando a ausência de uma visão estratégica sobre a resiliência da sociedade, da economia e do território.

O futuro reserva mais sismos, epidemias e outros fenómenos - o lado positivo é que atualmente existe conhecimento suficiente para prevenir as principais consequências destes cataclismos. Importa aplicar na prática este conhecimento.

Investigadora, Instituto Superior Técnico

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