O que nos dizem 28 debates?

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A lista dos 28 debates presidenciais que os três canais em sinal aberto (RTP, SIC e TVI) vão receber durante cerca de um mês assusta muito mais do que entusiasma.

São várias as razões que me levam a dizer isso. A primeira prende-se com a própria natureza das eleições presidenciais. É certo que os partidos desempenham uma parte importante dessa corrida (muitas vezes até fundamental) no apoio que dão, ou não, a um candidato da sua “família” política, mas no final acaba por ser uma escolha direta do eleitor numa pessoa, numa personalidade ou na ideia que o eleitor faz do comportamento daquela pessoa no cargo a que concorre.

Nesse sentido, creio que será difícil a qualquer português ficar a conhecer o almirante Gouveia e Melo ou o candidato Marques Mendes ou André Ventura (só para referir os mais bem posicionados à vitória) numa série de frente a frentes com os seus concorrentes diretos. O risco maior, acredito, será o de assistirmos a uma sucessão de discussões fúteis sobre o que um disse e não foi bonito e sobre o que o outro não disse e foi uma desilusão.

Por outro lado, muitos dos candidatos são personalidades políticas com percurso conhecido, outros são presenças habituais no Parlamento e nas televisões. As suas posições no que toca à vida dos portugueses são, em larga medida, conhecidas. Quase todos têm largo traquejo de debate e estão habituados a conviver com a crítica mais viperina.

Há uma exceção. O almirante Gouveia e Melo até pode ter o impulso inicial de ser o candidato “sem amarras a qualquer partido”, mas ainda está por ver como lida com ataques frontais lançados a metro e meio de distância, na sua cara e do outro lado da mesa. Como lida com a crítica direta? Como aguentará, até, distorções táticas das suas palavras por parte de quem quiser que perca a cabeça?

É aqui que reside parte do problema. É que os portugueses conhecem pouco do pensamento de Gouveia e Melo, além do que diz ter feito na altura da vacinação da covid. Este momento antes do ato eleitoral, seria excelente para ficar a conhecê-lo, à sua personalidade e ao seu pensamento sobre a convivência entre as instituições políticas, o que pensa sobre a economia (é mais liberal ou quer mais Estado a intervir nos mercados?).

Mas temo bem que - face a intervenções intempestivas anteriores de Gouveia e Melo - quase todos os seus principais oponentes (sobretudo Marques Mendes) venha a usar o debate para o irritar, forçando-o a uma frase fora do lugar ou pouco preparada, ou para tentar que mostre “as verdadeiras cores”.

É por isso mesmo que acredito que os debates mais animados dos quase 30 (?) venham a ser um frenesim de socos políticos. Os restantes? Uma modorra.

Com uma configuração de candidatos como a que teremos nas eleições de janeiro, creio que o modelo do Town Hall - todos os candidatos expostos, ao vivo e em direto, a perguntas de cidadãos selecionados, em sala e com moderadores - teria méritos dos quais os 28 debates não conseguirão aproximar-se.

Em última análise, os quase 30 debates valerão para perceber: 1. Se André Ventura está a concorrer para presidente ou para solidificar a candidatura a PM. 2. Se Gouveia e Melo tem experiência suficiente para evitar armadilhas e debater com pés e cabeça. 3. Se Marques Mendes vai capitalizar a sabedoria de “raposa velha” da política. 4. Se António José Seguro deu mesmo o salto face ao político que foi atropelado por António Costa há uma década. 5. Se entre os restantes candidatos - Cotrim de Figueiredo, Catarina Martins, António Filipe ou Jorge Pinto - há algum outsider que nos leve a sonhar com o que aconteceu em Nova Iorque, quando um completo desconhecido com 1% nas sondagens ganhou nas urnas.

E do ponto de vista do entretenimento, acho um crime que Manual João Vieira não possa, ainda, estar presente nestas conversas. Não perderia um dos seus debates.

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