O que ganha Ventura com a candidatura a Belém

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A candidatura de André Ventura à Presidência da República não surpreende. Há semanas que o líder do Chega estava a dar sinais de que poderia avançar, apesar de haver quem esperasse que não o fizesse, sobretudo entre a entourage de Gouveia e Melo, devido ao receio de que possa dividir o eleitorado do almirante.

Porém, para Ventura, esta será mais uma situação win win, em que, muito provavelmente, terá mais a ganhar do que a perder, qualquer que seja o cenário, apesar do risco de desgaste da sua imagem. Esta é uma táctica que tem sido utilizada amiúde pelo líder do Chega. Quando Ventura vai a jogo, é porque sabe que irá sempre ganhar alguma coisa, independentemente do desfecho. E, neste contexto, ganhar não é o mesmo que ser o mais votado.

Ventura ganha se não ficar muito longe do segundo candidato mais votado, porque isso significaria ficar na casa dos 15% a 20%, uma percentagem alinhada com o que o partido que lidera vale nas urnas. Ganha, também, se ficar em segundo lugar, passe ou não à segunda volta, porque, a fazer fé nas sondagens, isso significa ficar à frente de Marques Mendes e de António José Seguro, os dois candidatos do “centrão” que diz combater. Ganha ainda, obviamente, se vencer as eleições, embora esse cenário seja pouco provável. E, finalmente, ganha alguma coisa mesmo que perca contra o almirante Gouveia e Melo na segunda volta.

Centremo-nos neste último cenário, que, de acordo com as sondagens, não é de excluir. Se Ventura passar à segunda volta, tendo Gouveia e Melo como adversário, uma grande parte do eleitorado que hoje torce o nariz à figura do militar vai ser obrigado a votar nele. Será uma situação muita parecida com a que sucedeu na segunda volta das presidenciais de 1986, quando a esquerda teve de escolher entre Soares e Freitas do Amaral. “Se for preciso tapem a cara [de Soares no boletim de voto] com uma mão e votem com a outra”, pediu Álvaro Cunhal aos comunistas, na ocasião.

Porém, a situação mais comparável será a das eleições presidenciais francesas de 2002, quando Jean Marie Le Pen enfrentou Jacques Chirac na segunda volta, e a esquerda, que preferia o socialista Lionel Jospin, teve de ajudar a reeleger, a contragosto, o candidato gaulista.

Nas nossas presidenciais poderá acontecer algo parecido, com o facto adicional de que existe a possibilidade de os dois candidatos mais votados cultivarem ambos - com as devidas diferenças - uma imagem “anti-sistema”. A esquerda e a direita moderada poderão ter de escolher entre essas personalidades e, das duas, a mais “institucional” é Gouveia e Melo. Na lógica de Ventura, isto corresponde a uma vitória, porque aparece aos olhos do seu eleitorado como o único candidato verdadeiramente anti-sistema, que vem para mudar o statu quo, destrunfando, de certa forma, o almirante. Porém, Gouveia e Melo também pode sair a ganhar, dependendo do número de votos “anti-sistema” que vier a perder para Ventura, na medida em que surgirá como a última esperança dos que não querem ver o líder do Chega em Belém. Ou seja, a maioria dos portugueses, segundo os estudos de opinião.

Esta lógica aplicar-se-á também, obviamente, se o adversário de Ventura na segunda volta for Marques Mendes, Seguro ou outros candidatos “moderados”. Qualquer que seja o resultado, ganhe ou perca, Ventura sai beneficiado aos olhos do seu eleitorado, apesar de se arriscar a desgastar a sua imagem (tantas vezes o cântaro vai à fonte...) e de consolidar a visão do Chega como eterno partido unipessoal.

Diretor do Diário de Notícias

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