O PSD aplaudiu o “pornhub”?
Luís Montenegro não quis concluir um monótono Congresso do PSD sem lançar para a verborreia desta semana política uma polémica que não custasse dinheiro e que entretivesse os fiéis da teologia da zaragata - e anunciou, perante militantes finalmente entusiasmados, o seguinte: “Vamos rever os programas do Ensino Básico e do Ensino Secundário e reforçar o cultivo dos valores constitucionais e libertar a disciplina de cidadania das amarras a projetos ideológicos.”
O motivo do entusiasmo da plateia ultrapassa-me. Por um lado, qualquer tipo de ensino, público ou privado, desde a elaboração dos seus programas à sua execução prática, implica a adoção de opções e de projetos ideológicos.
Como há muitas ideologias diferentes e conflituantes, o Estado português, desde 1976, com posteriores ajustamentos, resolveu essas contradições e sintetizou numa Constituição a ideologia que, em toda a sua atividade - e, portanto, também no ensino público -, tem obrigatoriamente de ser seguida e respeitada.
Os princípios de cidadania, a ideologia que a disciplina com o mesmo nome tem de refletir, estão definidos logo no início do texto constitucional: uma República baseada na dignidade humana e vontade popular (artigo 1.º); um Estado de Direito democrático (artigo 2.º) onde todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei; a recusa da discriminação, positiva ou negativa, “em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (artigo 13.º).
Sublinho ainda que “o Estado não pode programar a Educação e a Cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” (artigo 43.º) a não ser, claro, as que a própria Constituição define.
Ora, as queixas que ouvi aparecerem sobre as tais aulas de Cidadania (o pai Artur Mesquita Guimarães, que retirou os filhos dessas aulas, foi o caso mais badalado, o que até deu direito a processo em tribunal) focam-se quase exclusivamente num único tema de cidadania: Educação Sexual que, para os seus críticos, passou a ser apelidada de “ideologia de género”, pois aborda matérias como a homossexualidade, contraceção ou aborto.
Como muitas das pessoas do PSD que aplaudiram Luís Montenegro alinham, em matéria de sexo, o seu pensamento (digo “pensamento” porque, na prática, não é bem assim) com a Doutrina da Igreja Católica, não percebo porque ficaram tão contentes: se ele diz, na mesma frase, que quer alterar a disciplina de Cidadania e respeitar a Constituição, tal significa que, por um lado, não vai impor a doutrina moral da Igreja Católica nas escolas e, por outro lado, não permitirá um ensino que discrimine orientações sexuais.
Como os currículos da atual disciplina de Cidadania nunca foram declarados anticonstitucionais, o que Luís Montenegro se propõe fazer, se respeitar a sua própria frase, será, pelo exposto, algo de alcance muito limitado e não justificaria tal euforia moralista no areópago social-democrata...
...Pensando bem, há uma hipótese que Luís Montenegro pode adotar e que não é discriminatória: acabar com qualquer tipo de abordagem à Educação Sexual nas escolas. Nem de direita, nem de esquerda, nem católica, nem diabólica, nem boa, nem má. Isto seria deixar incontáveis crianças e adolescentes entregues, sozinhas, ao pejamento de pais e às maravilhas da pornografia que lhes chega de borla aos telemóveis.
Terá sido, afinal, a liberalização da Educação pelo “pornhub” que os militantes do PSD aplaudiram?