O princípio de uma bela amizade

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Depois de fazer recuar a Ciência e a Razão até à Idade da Pedra, declarando a existência de dois géneros - feminino e masculino; depois de proibir, de acordo com essa reaccionaríssima concepção de vida, que homens biológicos participassem em competições femininas; depois de suspender as actividades da USAID, dizendo-a “dirigida por um bando de lunáticos”, o presidente americano prepara novas malfeitorias.

Trump parece não abrandar o ritmo de executive orders, aplicando sem demora as ideias-base do seu programa para tornar a América grande outra vez. Há aqui uma ponta de nostalgia pela grandeza passada que não desmerece a direita nacional-conservadora, mas há também uma resposta aos anseios da metade da América que votou Trump. Para essa América, a imigração ilegal e os seus efeitos na segurança, no crime e na perda de identidade é uma preocupação dominante, bem como a inflação e a estagnação dos rendimentos da classe trabalhadora e da classe média.

De resto, a nova Administração, que esta semana viu a aprovação pelo Senado de vários dos seus problemáticos integrantes, parece não estar a desiludir os americanos. Segundo uma sondagem da CBS News, de domingo, 9 de Fevereiro, 70% dos inquiridos considera que Trump está a fazer o que prometeu, 64% aprova o envio de militares para controlar a fronteira com o México e 59% apoia a política de deportação de ilegais.

Em contrapartida, há uma maioria descontente com a demora no decréscimo do custo de vida e, sobretudo, com a ideia de Trump de pôr a Faixa de Gaza sob controlo norte-americano (que tem 47% dos inquiridos contra, 40% indecisos e só 13% a favor).

O American Conservative, um importante órgão de informação e opinião da direita norte-americana, dá voz a esta maioria de opositores ao controlo norte-americano de Gaza. Na edição de 9 de Fevereiro, num artigo que intitula Trump’s Apparent Gaza Scheme Endangers His Entire Legacy, Hunter DeRensis argumenta que deslocar tropas americanas para a zona onde o Hamas sobreviveu às operações de Israel e gerir as relações com 1.800.000 palestinianos que não estão dispostos a abandonar o território é um erro crasso. De resto, os vizinhos, o Egipto, do Presidente Al-Sisi, e a Jordânia, do rei Abdullah II Bin Al Hussein, também não se mostram abertos a recebê-los.

Para DeRensis, o envio de tropas para Gaza equivaleria à invasão do Iraque pela dupla George W. Bush - Dick Cheney, uma operação que desequilibrou o Médio Oriente e em que, depois de um passeio militar, o contingente norte-americano sofreu milhares de baixas. Para o reforçar, DeRensis recorre a um tweet dirigido a Donald Trump por um controverso apoiante da solução: “Donald, this looks like the beginning of a beautiful friendship.”

A frase, retirada da inesquecível cena final de Casablanca, é tweetada pelo ex-ministro de Segurança Nacional de Netanyahu, Itamar Ben-Gvir; o mesmo Ben-Gvir que abandonou o gabinete de Israel em protesto aquando do cessar-fogo em Gaza e que justificou os judeus ortodoxos que, em Jerusalém, cuspiram nos peregrinos, dizendo que “cuspir em cristãos não devia ser considerado crime”…

Com amigos destes, Trump não precisa de inimigos, pelo menos quanto ao controlo norte-americano de Gaza.

Politólogo e escritor

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

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