O Partido sou Eu

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Passado o primeiro choque de uma noite de eleições autárquicas, seguem-se agora semanas de intermináveis painéis de comentadores a analisar todo e qualquer pormenor do atual comportamento eleitoral dos portugueses.

Sim, é verdade que Luís Montenegro e o seu PSD são os grandes vencedores das eleições. Em ambiente de festa, na noite de domingo, ao primeiro-ministro bastou-lhe recordar que é Governo, sendo a força mais votada nas legislativas; que tem agora o maior número de câmaras (controlando as cinco maiores do país), bem como o maior número de freguesias. No atual espectro político, o PSD está no topo da cadeia alimentar e Luís Montenegro não deixará de nos recordar disso, associando o bom momento à sua liderança. Se António Costa era apelidada de o “Alquimista das Oportunidades”, não há motivo nenhum para que Montenegro não o seja agora também.

Ainda no centrão, mas à esquerda, o PS de José Luís Carneiro mostrou uma resiliência digna de registo. É verdade que os socialistas perderam duas dezenas de autarquias face a 2021, mas o PS foi ao coração do Cavaquistão ganhar Viseu, recuperou Bragança e bateu-se bem - em terreno inclinado, diga-se - em Lisboa e no Porto. O sabor mais amargo da noite foi ouvir o secretário-geral dos socialistas reclamar vitória por, cito, “estar taco a taco com o Governo no número de câmaras” ou por ter dado boa luta, mas perdendo, em Lisboa e no Porto. É como ouvir um treinador do Benfica, do Sporting ou do FC Porto celebrar um segundo lugar.

Posto isto, o grande elefante na sala é a prestação do Chega, de André Ventura, nas autárquicas. À primeira vista, o Chega terminou a noite derrotado, uma vez que a conquista das câmaras de Albufeira, Entroncamento e São Vicente (na Madeira) ficaram muito longe das expectativas quase irreais de Ventura de ganhar 30 câmaras municipais em 2025. Ainda para mais, com o agravo de Ventura ter previsto, em direto, (e falhado) a conquista da câmara da Moita.

Mas há uma leitura incontornável nos resultados do Chega: o partido elegeu 137 vereadores, incluindo em mais de uma dúzia de capitais de distrito. Só em quatro não há um homem do Chega no executivo camarário. E isso vale alguma coisa? Claro que sim. Com os resultados mais pulverizados do que nunca por vários partidos, ainda veremos os vereadores únicos a viabilizar ou não importantes decisões camarárias dos próximos quatro anos.

Essa conclusão abre espaço para pensar que, afinal, talvez o Chega tenha pernas para outras corridas que não as legislativas, umas eleições em que a atenção está concentrada apenas no líder do partido. Em 2025, a distribuição de votos do Chega pelos vários concelhos deu para 137 vereadores, alguns deles com capacidade interventiva determinante, mas em 2029 a história pode ser diferente. Isto se André Ventura estiver a pensar a várias jogadas de distância e se for capaz de se libertar da ideia de que o Chega é um partido de um homem só.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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