O papel da família e das empresas no regresso ao trabalho do sobrevivente de cancro

O regresso ao trabalho após o cancro é um marco de superação e reconstrução. Para alguns doentes, o apoio psicológico, a adaptação do horário de trabalho e a mudança de funções são algumas das medidas que podem facilitar a reintegração.
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O regresso ao trabalho de um doente e sobrevivente de cancro é uma etapa crucial no processo de reabilitação e reintegração social. Com os avanços na medicina, a taxa de sobrevivência tem felizmente aumentado: a Comissão Europeia estima que na Europa existam mais de 12 milhões de sobreviventes de cancro – o que torna cada vez mais relevante discutir o regresso à vida ativa, incluindo o trabalho.

Este regresso envolve os aspetos físicos, emocionais, psicológicos e, muitas vezes, financeiros. Algumas pessoas, por incapacidade económica, retornam precocemente ao trabalho mesmo com incapacidades físicas e cognitivas – e nem sempre é fácil colocá-los noutras funções.

No entanto, o trabalho pode representar mais do que uma fonte de rendimento, porque também oferece estrutura, autoestima e inclusão social. Verificamos que para algumas pessoas, continuar a sua atividade laboral é importante pois significa que este tem um propósito. Tanto as famílias como as empresas têm papéis essenciais em criar um ambiente favorável, seguro e acolhedor para esta nova fase da vida do sobrevivente.

A família é frequentemente o principal suporte emocional, ajudando a recuperar a confiança para regressar ao ambiente profissional. É importante validar medos, dúvidas e inseguranças, sem pressão ou julgamento, percebendo que o ritmo e as capacidades podem ter mudado devido à doença.

A participação da família nas tarefas domésticas, na gestão da medicação e no acompanhamento a consultas, pode permitir que o doente conserve energia para o trabalho. Quando os doentes residem sozinhos, especialmente se existirem défices físicos ou cognitivos, é mais difícil a gestão da medicação e pode mesmo ser necessário suspender os tratamentos transitória ou definitivamente, sempre com indicação do profissional de saúde.

Embora menos abordado, é importante sensibilizar as empresas para garantir que o regresso ao trabalho não implica preconceito ou marginalização e que exista uma cultura organizacional inclusiva, com alguma acessibilidade e flexibilidade. A rigidez das políticas internas das empresas, implica muitas vezes que os doentes tenham baixas por períodos prolongados o que pode originar desatualização profissional. 

Há doentes que, por cirurgias extensas ou efeitos secundários dos tratamentos, ficam menos aptos ou incapazes de exercer as suas funções habituais.  Esta situação pode culminar na demissão do sobrevivente, porque se durante a fase ativa dos tratamentos se verifica alguma compreensão com a situação, quando os tratamentos terminam, considera-se que essa pessoa já está apta para fazer o que fazia anteriormente. E a realidade é que as dificuldades não estão apenas no momento dos tratamentos, estas podem perdurar e há efeitos que surgem meses ou anos depois, como a perda de mobilidade, a fadiga e a perda de memória. Não o digo apenas com base na minha experiência clínica, podemos encontrar estas situações descritas em evidência científica, sendo que até 75% dos sobreviventes de cancro reportam alterações cognitivas após o fim do tratamento. 

O regresso ao trabalho após o cancro é um marco de superação e reconstrução. Neste sentido, para alguns doentes, o apoio psicológico, a adaptação do horário de trabalho, a mudança de funções e a possibilidade de trabalho a tempo parcial, são medidas que podem facilitar a reintegração dos doentes e sobreviventes.

Proporcionar um local de escuta ativa, partilha e reflexão sobre os desafios do regresso ao trabalho para quem passou por um diagnóstico oncológico, é o objetivo do evento que a Unidade do Sobrevivente de Cancro da CUF está a organizar para 24 de setembro, no Hospital CUF Tejo, “Conversas inspiradoras - Regresso ao trabalho do doente e sobrevivente de cancro: o papel da família e das empresas”.

É um tema desafiante, quer para os sobreviventes e familiares, quer para as entidades empregadoras. Discuti-lo e procurar respostas, em conjunto, poderá fazer toda a diferença para promover o bem-estar emocional, físico e social dos sobreviventes, mas também para promover uma cultura empresarial de empatia e respeito capaz de facilitar o regresso do trabalhador ao mundo laboral, o que beneficiará a organização e a sociedade como um todo.

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