O outro lado do bordado

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Quando era pequena, ouvia dizer em minha casa, nas conversas à lareira entre a mãe, as tias e a avó, que a qualidade de um bordado se via pelo seu avesso. Sei que esses tempos ficaram para trás, mesmo que preze quão preciosos e perfeitos são os nossos bordados tradicionais, de Castelo Branco a Tibaldinho. Confesso até que, às vezes, não resisto a espreitar o outro lado.

Contudo, deste gesto simples, que é virar o pano do avesso, há lições que é importante retirar. Uma delas é que não basta olhar para o que parece, para a espuma das notícias, para o que tem muitos likes nas redes sociais, para o que foi muito bem comunicado, por quem tem o palco para o poder fazer.

É preciso ver o seu avesso, cotejar a informação, saber se é falsa ou verdadeira, se a parte está a ser tomada pelo todo. É esse exercício de ver o lado contrário, com um pouco mais de conhecimento, que nos permite estimular o sentido crítico e criar uma opinião fundamentada, seja ela num sentido ou no seu oposto.

Se os britânicos tivessem virado do avesso a informação completamente falsa que lhes foi vendida, em bolhas, sobre as migrações, talvez a maioria tivesse votado contra o Brexit.

Virando-nos para temas mais próximos e menos devastadores, quando ouvimos, no recente Congresso do PSD, anunciar uma nova política, como a de que agora já não é preciso ir ao hospital para levantar certos medicamentos, e a viramos do avesso, descobrimos que essa medida já tinha sido tomada há quase um ano (Decreto-Lei n.º 138/2023, sobre a dispensa em proximidade de medicamentos e outros produtos de saúde prescritos para ambulatório hospitalar).

Não é mau dar-lhe um novo ímpeto, se a paternidade da medida não fosse deliberadamente omitida.

Ao referir-se, no mesmo Congresso, que é preciso “desideologizar” a educação para cidadania, se não soubéssemos em que consiste essa disciplina, o que é que pensaríamos das muitas palmas que se seguiram? Que lá se ensina que o socialismo é fixe e o resto nem por isso? Que lá se mudam as preferências sexuais dos nossos jovens, como já ouvi dito por aí?

Porém, virando a disciplina do avesso, verificamos que há orientações temáticas onde se incluem os direitos humanos, a proteção do ambiente, a saúde (incluindo a alimentar), o ambiente, o desenvolvimento sustentável e, sim, também a igualdade de género. Se somos a favor da luta contra a violência doméstica, essa peste resistente das nossas sociedades, como podemos ser contra a educação que a previne?

Hoje foram alguns factos políticos, mas há muitas outras coisas que devemos explorar pelo avesso, da segurança dos produtos comprados nas plataformas, à proteção dos dados que com elas partilhamos. Assim farei aqui um dia destes, nunca esquecendo que o avesso até pode ser perfeito e igual ao que vemos do direito.

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