O Olimpismo como motor das relações internacionais

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Tive a honra e o privilégio de participar, como orador, na 35.ª Sessão Anual da Academia Olímpica de Portugal (AOP), realizada na Serra da Estrela entre os dias 1 e 3 de novembro.

Com o mundo em teatro bélico, a escolha do tema - Olimpismo e Relações Internacionais - foi tão oportuna quanto desafiante, após os Jogos Olímpicos (JO) de Paris e dias depois de Thomas Bach, Presidente do Comité Olímpico Internacional (COI), ter defendido que “as tensões geopolíticas internacionais tornam os Jogos ainda mais relevantes”.

Sendo certo que nos JO da Antiguidade, por razões sociológicas e religiosas, se excluíam os atletas estrangeiros, a lógica já era de aproximação entre povos. O próprio armistício da Trégua Olímpica assegurava que peregrinos, comerciantes, homens ricos e diplomatas se relacionavam em período de Paz.

Quando Pierre de Coubertin, em 1896, concretizou os JO da Era Moderna, trouxe consigo uma visão internacionalista do desporto como meio de aproximação das pessoas e das nações, que permite o conhecimento e exalta o respeito entre cidadãos. E mesmo com momentos de dúvida (as duas Grandes Guerras pararam a realização dos JO), a verdade é que Coubertin não cedeu. Persistiu na criação de uma ordem desportiva internacional e hoje os JO são, inequivocamente, um vetor de relações internacionais.

Os JO, como os conhecemos, assentam no credo multicultaralista de Coubertin - “All Games, All Nations” - e os anéis olímpicos, ao unirem os cinco continentes, são um símbolo de internacionalismo, de cosmopolitismo.

Apesar da “neutralidade política” expressa na Carta Olímpica, o COI tem poder geoestratégico, desde logo na sua própria governança (na ação dos seus membros, designadamente quando decidem sobre as cidades-sede ou as modalidades a integrar o Programa Olímpico). Mas o COI, que detém estatuto de observador na ONU e que, alinhado com as Nações Unidas, admite novos Comités que se reportam a “Estados independentes reconhecidos pela comunidade internacional”, também intervém ativamente na política. Este ano, em Paris, o COI decidiu que os russos se apresentariam sob bandeira neutra.

A diplomacia Olímpica também se faz bilateralmente. É disso exemplo a aliança Portugal-Suécia, após a morte de Francisco Lázaro nos JO de Estocolmo, em 1912. Outra via é voltarmos a ter um português como membro do COI (não temos desde o saudoso Eng. Lima Bello).

Os JO da era moderna têm sido, bem ou mal, uma vitrina de países. Basta pensarmos nos ‘Jogos Nazis’ de 1936 ou no ‘efeito Olímpico’ de Pequim 2008. Mais: a maratona tem sido um exemplo de emancipação africana e na luta têm-se afirmado atletas da Ásia Central.

O internacionalismo do maior evento desportivo à escala global também se materializa quando o Movimento Olímpico se posiciona sobre regras de elegibilidade, em particular em torno de atletas transgénero ou intersexo.

No plano da Ética Desportiva e da Educação Olímpica, ‘organizações satélite’ do COI, como a Academia Olímpica Internacional e a Agência Mundial Antidopagem, têm nutrido a “pedagogia global” do Olimpismo, em termos físicos, intelectuais e morais.

Mas as relações internacionais através do desporto projetam-se igualmente pelo impacto do turismo por ocasião dos eventos, pela diplomacia da língua e cultura ou mesmo pela aproximação às novas gerações, como deverá acontecer nos Jogos Olímpicos da Juventude, a realizar em Dakar em 2026. E os emergentes JO de esports, já em 2025 na Arábia Saudita, serão uma inegável ação de soft-power.

Há, todavia, um reverso da ... medalha: os JO são, por vezes, palco de clivagens e intensificam as tensões internacionais, mesmo que a Carta Olímpica estabeleça que são “competições entre atletas, e não entre países” e mesmo que o COI não valide oficialmente um ranking entre nações. Todos nos lembramos de protestos, como nos JO de 1968, no México, com o momento icónico de Tommie Smith e John Carlos e a saudação Black Power; de boicotes, como Melbourne 1956, Moscovo 1980 e Los Angeles 1984; ou ainda da ação terrorista e da violência militar nos Jogos do ‘Setembro Negro’ de 1972, em Munique.

Não tenho, ainda assim, qualquer dúvida de que os JO podem e têm, por regra, conseguido passar a mensagem de que a globalização funciona, na prática, em muitos tabuleiros. Simbolismo-mor de um desporto globalizado e harmónico, como bem assinala Heather L. Reid, é o que vemos nas cerimónias de encerramento dos JO: os atletas esquecem as competições, os recordes e as medalhas e, ao invés do que sucede na cerimónia de abertura, em que permanecem alinhados pelos seus países, “vivem um momento de cor, alegria e cacofonia”. E o Olimpismo é isso mesmo, como refere a Carta Olímpica: “uma filosofia de vida”.

Advogado e Professor Universitário

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