Há quem veja golpismo quando os venezuelanos saem à rua em protesto contra uma farsa eleitoral flagrante. E quem grite por genocídio perante a resposta impiedosa de Israel aos atentados de uma organização que visa a erradicação (caso se trate da ala “moderada”, talvez só a deportação) dos milhões que vivem no país entre o Jordão e o Mediterrâneo, o tal rio e o tal mar que os repetidores da doutrina do Hamas berram nas manifestações realizadas em países tolerantes para com a acefalia argumentativa ou a apologia consciente de verdadeiros genocídios..Também existe um país europeu que se defende, há mais de dois anos, da invasão do seu território por uma ex-superpotência que juntou ao arsenal nuclear, herdado da Guerra Fria, a psicose neocza- rista que traz motivos de preocupação aos vizinhos da Rússia. À Ucrânia vamos fornecendo armas cada vez mais sofisticadas e ajuda económica para subsistir na difícil missão de travar um Exército que só pode ser derrotado pela NATO..Pena é que o país mais forte da Aliança Atlântica tenha estado à beira de ser disputado entre dois septuagenários, um dos quais tão incapacitado que lhe impuseram a ejeção, enquanto o outro vai sobrevivendo a balas, processos judiciais e bom senso do seu partido, tendo agora a missão de vencer uma vice-presidente a quem pode responsabilizar por alguns dos erros mais grosseiros da Casa Branca..A tudo isto assiste, sorridente, Xi Jinping, presidente de uma China à prova de protestos pós-eleitorais, a quem o atroz Vladimir Putin tem de prestar vassalagem, tal como os duvidosos estadistas do “Sul Global”, com Lula da Silva à cabeça..Mas eis que também assistimos a tumultos com motivações raciais na Europa. Aquilo que tem acontecido no Reino Unido, como já ocorreu em França e pode suceder na Alemanha, não fica resolvido com a detenção de alguns militantes de extrema-direita - e, já agora, de outros tantos elementos de grupos criminosos que advogam a substituição do regime democrático por qualquer tipo de teocracia importada de outras paragens..Aquilo a que se assiste em alguns países europeus é a consequência direta do falhanço na integração das comunidades imigrantes (numa derrota de sucessivos Governos, muitas vezes por falta de comparência) e, ainda mais, da incapacidade de formar cidadãos entre os que nascem por cá, sejam filhos de recém-chegados de outros continentes ou de quem crê ser descendente direto dos pais fundadores..Este é o mundo que nos rodeia, no qual às vezes parece que a liberdade e a democracia só são valorizadas por quem não as tem, como os venezuelanos e iranianos. Nascido há quase 100 anos, o poeta Alexandre O’Neill expressou o remorso com a pátria ao escrever os versos: “Ó Portugal, se fosses só três sílabas de plástico, que era mais barato!” Já este mundo que temos talvez só precisasse de ser duas sílabas, bem ritmadas, para partilhar no TikTok e não se pensar mais nisso..Grande repórter do Diário de Notícias