O mundo paralelo onde vive José Sócrates

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Durante algum tempo olhei para a figura de José Sócrates como um misto entre Teodorico Raposo e Calisto Elói. Teodorico, não pelo lado das aventuras amorosas, porque não me interessa, embora isso tenha tido influência na percepção e na montagem da personagem ao longo dos anos, através dos textos nada imparciais de uma jornalista conhecida. É mesmo pelo lado dissimulado, que aparentava uma coisa, continuava a defender uma imagem, e afinal era outra.

Calisto Elói pelas razões óbvias: um tipo das berças, completamente deslumbrado pelo poder e pelo dinheiro. Com complexos de novo-rico, sem o ser, mas tornando-se num. E, claro, juntando a tudo isto o sentimento de impunidade que muitos políticos vêem alimentado pelas falhas da Justiça e pela falta de escrutínio que tem sido característico no nosso país.

Porém, e apesar de ainda não ter chegado ao fim o julgamento de Sócrates – e nada indica que chegará tão cedo – a opinião pública já o julgou. Ninguém mais lhe dá crédito, quase todos acreditam que é culpado. Outrora respeitado e temido, Sócrates tornou-se, aos olhos da opinião pública, numa caricatura de si próprio. Ninguém lhe dá qualquer importância; tudo o que diz serve para ridicularizar-se ou quem a ele estiver conotado. Quem esteve ligado a Sócrates no passado, por questões profissionais ou pessoais, não formou um currículo: formou um cadastro. É este o sentimento que paira na opinião geral. Daí que, quando verbalizou apoio a Gouveia e Melo, este tenha reagido como se fosse lepra a tocá-lo. Ninguém quer estar na boca de Sócrates: é o toque de Midas ao contrário.

José Sócrates não percebeu isso, não aceita isso; agarra-se ao facto de ainda não ter sido condenado como a marca da sua inocência. Não entendeu que foi renegado por todos. Que os seus ardis para brincar com a Justiça, entre prescrições e atrasos, são golpes ainda mais profundos na forma como o povo português o vê.

Não compreendeu que, não só não tem influência como outrora, como tem má influência. José Sócrates, homónimo de uma das maiores figuras do pensamento filosófico ocidental, tornou-se sinónimo de figura grotesca, caricata, que o absurdo na política pode construir. Não é sinónimo da filosofia grega; será, no entanto, da tragi-comédia burlesca portuguesa.

Professora auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora (do CIDEHUS).

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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