O mundo está muito mais perigoso

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"Alguns no nosso país veem o progresso da China como uma ameaça aos Estados Unidos da América; alguns na China temem que os Estados Unidos busquem restringir o crescimento da China. Rejeitamos ambas as opiniões. (...) Uma América próspera é boa para a China e uma China próspera é boa para a América."

Estávamos em 2011 e a então secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, escrevia um longo artigo na revista Foreign Affairs a explicar a razão de ser, a estratégia e os objetivos da viragem dos Estados Unidos para o Pacífico. Estavam conscientes da importância de manter abertas as rotas de navegação comercial, parcerias com os aliados regionais e presença militar. Mas havia otimismo. E, sobretudo, ninguém falava de conflitos globais.

Nesse ano, a Estónia entrava no euro, arrancava a Primavera Árabe, no Conselho de Segurança das Nações Unidas tomavam-se decisões sobre a Líbia por unanimidade, Bin Laden era morto e os americanos declaravam o fim da guerra no Iraque. Na Europa, a economia sofria, a crise das dívidas soberanas contagiava a bolsa e Portugal juntava-se à Grécia e pedia um resgate.

Se em 2011 o mundo estava perigoso, usando a expressão de Vasco Pulido Valente, em 2021 está muito mais.

A economia pós-pandemia (que ainda não acabou) é uma incógnita. Recupera, recupera mas com uma inflação que destrói rendimentos, não recupera, ou cresce só para alguns? E na política internacional é pior.

Putin coloca tropas às portas da Ucrânia e todos sabem que só não invade se não quiser; Lukashenko inspira-se em Erdogan mas vai mais longe e usa migrantes que vai buscar para desestabilizar a União Europeia (UE), conseguindo criar tensão interna; Polónia e Hungria são um sarilho que ninguém sabe como resolver (expulsar, que nem é possível, significaria que a UE não é um projeto irreversível); a China já não esconde uma atitude competitiva e agressiva - é, assumidamente, um modelo alternativo e não admite ser constrangida; não muito longe, a sul, além da pressão migratória, há uma crise crescente no Sahel, fazendo a Europa temer massas de migrantes e o regresso das ameaças terroristas. Internamente, alguns mais novos manifestam-se traídos por gerações que consomem mais recursos do que podem, e alguns mais velhos dizem-se deixados de lado pela globalização e quem dela beneficia. E todos votam em conformidade (cada vez menos nos partidos de sempre).

Em 2021 não é possível ser-se um otimista. Ou, pelo menos, sê-lo sem um ato de fé no mundo, na humanidade, no inevitável progresso ou no Ocidente.

A principal lição destes dez anos é que o mundo mudou tanto que é impossível continuar a querer usar os mesmos instrumentos e as mesmas instituições da mesma maneira. É aqui que entra a União Europeia. É tempo de discutir para que serve, agora, neste contexto. Num tempo em que o poder se determina economicamente (do ponto de vista militar a Rússia vale muito mais do que a China) mas a segurança se garante militarmente, é impossível olhar para a UE da mesma maneira.

Os federalistas têm uma resposta simples, e errada, diria. Mas os outros não podem apenas ser antifederalistas. É preciso dizer mais alguma coisa sobre o que se quer da União Europeia em 2021. Essa é, provavelmente, a maior virtude de Macron. Sabe o que quer da Europa (para a França). Mas é dos poucos. E o que quer não é necessariamente o que nos interessa. Que é o quê?

Consultor em assuntos europeus

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