O moderno komintern e o financiamento de partidos antissistema na Europa

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Na última década, uma parte significativa do financiamento de partidos antissistema em países europeus tem origem em pessoas e entidades ligadas à liderança russa.

O financiamento tem sido canalizado para partidos populistas de extrema-direita, os quais adaptaram o seu discurso racista, xenófobo, securitário, autoritário e nacionalista, para uma narrativa claramente antissistema, em especial anti-UE e anti-NATO.

Em França, o Reassemblement National (RN) de M. Le Pen é um bom exemplo de financiamento russo. Em 2014, o micropartido de J-M Le Pen, Cotelec, recebeu um empréstimo de 2 milhões de euros de uma obscura empresa offshore cipriota - a Vernonsia Holdings Ltd - que é alimentada por fundos russos e ligada a Yuri Kudimov - um ex-agente do KGB que chefiou o banco estatal russo VTB e que é próximo do influente oligarca Konstantin Malofeev. O RN beneficiou desse empréstimo, pois obteve um empréstimo da Cotelec para financiar a campanha presidencial de 2017. Em 2014, o FN (nome anterior do RN) contraiu um empréstimo de 9,4 milhões de euros junto de um banco russo, o First Czech Russian Bank, para financiar a sua campanha para as eleições regionais e departamentais de 2015. E M. Le Pen já assumiu existirem outros empréstimos a bancos russos num "total de 20 milhões de euros". As posições anti-UE e anti-NATO do RN já justificariam o investimento russo. Mas Le Pen ainda faz regularmente declarações pró-Putin e está rodeada de colaboradores russófilos.

CitaçãocitacaoO regime russo sob a liderança de Putin transformou-se num moderno "Komintern" que coordena e financia ações várias antissistema em países europeus (e noutras geografias...).esquerda

Foi na Áustria que um destes partidos populistas nacionalistas chegou ao poder - o Freiheitliche Partei Österreichs (FPÖ). O que não é surpreendente, sobretudo se considerarmos que Viena é desde há muito o principal centro do capital russo; o estatuto neutral do país e a fragilidade decorrente da localização geográfica facilitaram a entrada de capital russo ao longo de décadas e não é certamente por acaso que a sede do principal banco russo, o Sberbank, é em Viena. Em maio de 2019, foi divulgado um vídeo de 2017, mostrando o líder do partido - e em 2019 vice-chanceler do governo austríaco - H-C Strache, a falar de fundos para o partido com uma suposta cidadã russa familiar de um político poderoso na Rússia; no vídeo, Strache acolhe a interferência em meios de comunicação austríacos de uma forma que favoreça o FPÖ, citando o panorama mediático da Hungria de Orban.

Em Itália, também existem indícios de financiamento russo à Lega Nord de Salvini, sobretudo depois da revelação pública de negociações nesse sentido, em 2018, no Metropol Hotel, em Moscovo, entre responsáveis da Lega e russos. O apoio financeiro de Putin a Salvini já rendeu bastante; o líder da Lega chegou a vice-PM, colocou a Itália na linha da frente dos países anti-imigração e levou ao derrube do governo de Draghi.

O regime russo sob a liderança de Putin transformou-se num moderno "Komintern" que coordena e financia ações várias antissistema em países europeus (e noutras geografias...), seja para promover a divisão e o enfraquecimento da UE - que os líderes russos sempre consideraram uma ameaça aos seus interesses -, seja para promover uma Internacional Fascista que proteja os interesses do regime imperialista, fascista e cleptocrático que está instalado na Rússia desde a era pós-soviética.

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