O Ministério Público cumpre a sua obrigação?

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A comparação que a procuradora-geral da República fez na RTP para explicar a razão de o Ministério Público, a 7 de novembro, ter anunciado um inquérito ao então primeiro-ministro foi com o de uma mulher que faz queixa de violência doméstica, sem apresentação de qualquer prova.

Lucília Gago disse o seguinte: “A mera alusão à prática de um crime feito por uma vítima, neste sentido que estou a figurar ter acontecido, obriga o Ministério Público à instauração de inquérito: ela afirma algo que, a ter correspondência com a realidade dos factos, faz incorrer a pessoa referenciada num ilícito criminal.” E, a seguir, disse que não podia tratar políticos de forma diferente dos restantes cidadãos, ter “dois pesos e duas medidas” e que, por isso, no Ministério Público, ao ter conhecimento de que havia umas pessoas que diziam ao telefone ter o aval de António Costa para fazerem manobras supostamente suspeitas, a investigação tinha de ser aberta.

Há três semanas foi dada notícia de uma mulher que foi atropelada mortalmente pelo ex-namorado. Ela apresentara, a 24 de maio, queixa na PSP contra ele (que já fora condenado por outro homicídio de outra mulher) e, na véspera, o Ministério Público recebera uma denúncia enviada pela AIMA, a agência das migrações (a vítima era venezuelana). Mesmo assim, relatam os jornais, ela foi considerada estar sob uma ameaça de “baixo risco” e só 12 dias depois, por azar no dia do homicídio, é que os magistrados decidiram atribuir-lhe o chamado “botão de pânico” para a senhora poder alertar as autoridades, caso fosse atacada.

O ano passado, a 8 de fevereiro, Soraia Alexandra foi espancada e lentamente asfixiada até à morte pelo ex-companheiro. A vítima já tinha apresentado, em 2011, queixa de violência doméstica contra o agressor.

A 14 de março Conceição Ferreira foi morta a tiro pelo ex-companheiro. A mulher tinha feito queixa de violência doméstica, mas o caso foi arquivado em 2022.

Carla Fonseca, de 45 anos, foi assassinada a 23 de agosto pelo ex-namorado, três dias depois de fazer queixa de violência doméstica.
Não tenho mais espaço para continuar com estes exemplos, que são muitos...

Há anos e anos que os jornais noticiam situações de inoperância da polícia e do Ministério Público em casos de violência doméstica e, explicitamente, de demora em abrir inquéritos quando são levantadas suspeitas ou, mesmo, de ausência de qualquer ação depois da queixa ter sido apresentada.

Ai, era tão bom que Lucília Gago tivesse dito a verdade! Que, pelo menos neste caso, o Ministério Público passasse a tratar com o mesmo peso e a mesma medida, o mesmo zelo e a mesma determinação, os políticos e o cidadão comum. Era mesmo bom que cumprisse, como ela disse, “a sua obrigação”... não era?

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