O Ministério do Conhecimento

“O conhecimento é o antídoto para o medo”, Ralph Waldo Emerson
Publicado a
Atualizado a

A França é o terceiro país mais endividado da União Europeia (110,6% do PIB em 2023), e a grande discussão política dos dois maiores blocos partidários é a redução da idade de reforma para os 60 anos. Para equilibrar as contas da segurança social o Presidente Macron tinha travado uma luta titânica para subir a fasquia dos atuais 62 anos para os 64 anos. Aparentemente a medida vai ser revertida e “melhorada”. Estima-se que vá custar 45 mil milhões de euros. 

Para além do debate das contas certas (compromisso com as próximas gerações), importa considerar o alinhamento político: apesar de tanto se insultarem, mais uma vez a extrema-esquerda converge com a extrema-direita para prometerem o que as pessoas querem ouvir. Em toda a Europa a idade para a reforma está a aumentar com base num raciocínio lógico: a esperança média de vida está a aumentar, logo cresce o número de pensionistas e o número de anos que o beneficiário vai usufruir. Em França parece que vai diminuir.

No século XX a batalha política fazia-se entre a Esquerda e a Direita. Com a conquista de um nível aceitável de liberdades e direitos individuais, os extremos tendem a aproximar-se perigosamente, o que fez com que uma boa parte da política do século XXI se tenha travado entre progressistas e conservadores. O sistema ainda não tinha assimilado o novo xadrez, quando o imediatismo das redes sociais fez subir a fasquia a um outro nível, de tal forma que, em países altamente recomendáveis, muitas vezes a luta faz-se entre a racionalidade e a irracionalidade, entre a verdade e a mentira. Segundo o Washington Post, Donald Trump mentiu 30573 vezes durante quatro anos do seu mandato. Putin continua a dizer que a Rússia foi atacada na Ucrânia.

Não é só da política é também da sociedade. O “achismo” – “eu acho que…” – começou por ser um ato natural e curioso, depois tornou-se engraçado até que chegou ao nível viral. Aquele que passou anos a estudar, e que tem o cuidado de sustentar as suas opiniões em factos e provas, é esmagado pela força dos soundbites dos “achistas”. Na verdade, tal como dizia Sócrates “só sei que nada sei”, somos todos ignorantes. E isso deveria levar-nos à humildade, mas isso não impede que os “achistas” queiram impor as suas verdades aos outros. É o que se chama a ignorância atrevida. Existem movimentos para todos os gostos e feitios, mas um dos mais hilariantes é o terraplanismo: a ideia de que a Terra é plana, tendo como base algumas passagens da Bíblia. Existem milhões e milhões e milhões de provas criadas todos os dias – a mais simples: basta olhar para o céu: todos os corpos celestes são redondos – mas para os terraplanistas nada é mais forte que o seu crer.

O conhecimento (informação adquirida) e sabedoria (conhecimento experimentado) são, de forma inesperada, grandes batalhas na era da informação. Apesar dos populismos terem escrito os capítulos mais negros da nossa História, demasiadas pessoas não querem saber dos ensinamentos do passado e cedem pela tentação fácil do bode expiatório – os imigrantes ou os judeus – criado para justificar os nossos próprios falhanços. O grande problema da França é que a internet matou as aspirações do francês a ser um idioma global, e desde então a França perde força e competitividade económica, porque continua agarrada a um passado que já não existe.

Economia é conhecimento

Na economia, o modelo capitalista apregoa a competitividade como a grande força das Nações. Mas 12 mil anos de civilização dizem-nos que os grandes saltos económicos foram dados em cima de enormes saltos do conhecimento: Revolução Agrícola; Revolução Industrial; Revolução Digital; etc. A luta entre organizações ou pessoas (competitividade) é importante para uma empresa crescer a 5% ao ano. Mas só o conhecimento com inovação pode fazer crescer a 50% ou até 500%. A competitividade permite roubar espaço a outras pessoas e a outras empresas. A inovação permite criar espaço a mais pessoas e a mais empresas. A competitividade permite ganhar dinheiro. O conhecimento permite partilhar riqueza.

Este modelo é válido para o mundo, mas é ainda mais válido para Portugal. Somos dos países da Europa com mais horas de trabalho por semana, mas depois somos dos europeus mais mal remunerados. Ganhamos pouco, porque o trabalho de cada um de nós é de baixo valor. Para criamos mais riqueza e obtermos melhores remunerações, precisamos de trabalhar melhor. O grande desafio de Portugal não é tanto trabalhar mais (embore ajude), é trabalhar melhor. A nossa economia precisa de menos esforço braçal, e mais esforço mental. Sem conhecimento e sabedoria de todos, em todos os níveis, não seremos uma economia verdadeiramente europeia.

José Gil, nessa obra obrigatória que é “Portugal - O Medo de Existir” (2005), diz que entre os portugueses normalmente não há diálogos. Em regra, existem dois monólogos, em que um tenta impor a sua verdade ao outro, e não ouve (não aprende) o que o outro tem para dizer. Isto é válido para as conversas entre amigos, mas também para o debate político. E é pobre. 

Um verdadeiro plano de desenvolvimento deve passar pela ideia de que a riqueza das nações é a sua capacidade de criar círculos virtuosos do conhecimento, em que estamos sempre a aprender uns com os outros. Isso exige uma maturidade emocional que pouco abunda: dar efetiva atenção ao que o outro tem para nos dizer (saber ouvir); desenvolver diálogos construtivos (comunicação assertiva) em que aperfeiçoamos o conteúdo e e deixamos de lado os egos (as ideias são mais importantes que as pessoas) de quem ganha a batalha da argumentação. Este é um dos maiores défices nacionais. 

O culto do conhecimento, a vontade de aprender mais, e colocar as aprendizagens ao serviço dos outros, deve ser o grande desafio nacional. Só teremos uma economia mais forte, se tivermos uma sociedade mais forte. O conhecimento não garante a felicidade, mas a ignorância é a causa mais poderosa para a infelicidade. 

Pensar diferente

No século XXI governar é educar. O modelo de “governar é mandar” tem sido usado ao longo dos últimos 500 anos e os resultados não foram os melhores. Precisamos do melhor de cada um, para termos o melhor de todos. E para isso precisamos de apostar mais na motivação intrínseca (faço porque quero fazer) e não tanto na motivação extrínseca (faço para não ser penalizado ou para ser mais recompensado). 

Os políticos gostam que sejam vistos como deuses todo-poderosos que resolvem tudo. Infelizmente os seus poderes são bem mais reduzidos do que possamos pensar. O maior poder de um primeiro-ministro é a sua capacidade de influência. Governar por decreto-lei muda pouco. Mas motivar os cidadãos para o bem-comum pode mover montanhas.

Um governo verdadeiramente reformador deveria pensar em construir numa sociedade mais forte, pare ter uma economia mais forte. Para influenciar a sociedade, para criar uma cultura do conhecimento e da inovação, seria um excelente sinal criar um Ministério do Conhecimento, integrando, pelo menos, a pastas da Educação, Ciência, Cultura, mas também do Desporto, Ensino Superior e Comunicação Social. Importa reunir as áreas do software of the mind, para tirar as pequenas políticas da gaveta e criar uma visão de desenvolvimento ambiciosa e semeadora. 

Em contraciclo, a escola tem vindo a cortar no ensino da filosofia, quando tudo o que precisamos é saber pensar melhor. O problema é a grande maior parte do ensino “dá” a História da Filosofia – o que interessa é o que Platão dizia – em vez de promover o pensamento filosófico de cada um: quem sou, de onde venho, para onde vou?

A tentação dos burocratas e dos professores que “dão matéria”, é dar mais matemática, mais português ou mais biologia. Nada disso. Precisamos aprender a aprender, o que passa em primeiríssimo lugar por sabermos lidar melhor com os outros, para sabermos lidar melhor connosco. O maior défice nacional – que se traduz na mais elevada taxa europeia de consumo de ansiolíticos - é a falta de conhecimento sobre Inteligência Emocional e Social.

O Ministério do Conhecimento deveria ser considerado a maior riqueza nacional, mais importante que o ouro do Banco de Portugal ou os ratings de notação da dívida pública. A busca incansável do conhecimento é o que está na base da ciência, da tecnologia, da inovação e do empreendedorismo. O conhecimento é o grande gerador de riqueza. 

O conhecimento agrega, a ignorância desagrega. O conhecimento enriquece, a ignorância empobrece. O conhecimento transforma profundamente a escola, porque a sociedade torna-se a escola. 

E, melhor ainda, podemos colocar os media no centro do desenvolvimento económico e social. Em vez de estarem a morrer aos bocadinhos dentro das suas empresas de visão curta, a comunicação social poderia estar a viver grande ao serviço da comunidade e da prosperidade. Haja visão. Haja coragem. Este será o tema do meu próximo artigo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt