O medo instalado
“O bem-falante explica: - A senhora está a sentir-se hesitante, mão é? É bom sinal. É sinal que a instalação do medo já começou. Sabe, minha senhora, isto da instalação do medo tem uma parte física e uma parte metafísica.”
(Rui Zink, A Instalação do Medo, 2012, p. 19)
Estou longe de ser o primeiro a identificar o regime em que vivemos como uma democracia mitigada por hábitos e receios atávicos, por muito pós-modernaças e cosmopolitas que as nossas curtas elites se sintam e a maioria da arraia que continua miudinha as tente emular, um pouco como em Oitocentos os burgueses tentavam mimetizar os sinais exteriores da nobreza e a populaça, por sua vez, fazia os possíveis por parecer respeitável, de acordo com aquilo que os de “cima” assim consideravam.
Já não somos os portuguesinhos suaves e discretos que fomos, de malinha de cartão e cabeça baixa, mas estamos longe, fora de disputas futebolísticas e cobardias domésticas, de levantar a crista por mais do que um pouco e assim a manter quando algum poder(zinho) se levanta no horizonte e saca de uma intimidação que coloque em causa a vidinha, no curto ou mais alongado prazo. E se alguém desalinha essa atitude, desafia o ressentimento dos alinhados. Afinal, “isto da instalação do medo não é só para o bem de todos, também só é possível com a colaboração de todos”. (ibidem)
A este propósito, destaco dois episódios recentes que observei. O primeiro, relaciona-se com a reportagem e debate no canal Now sobre o modo como algumas lideranças escolares lidam com docentes em situação de maior fragilidade física ou psicológica. Perante a coragem de quem apareceu a denunciar as situações, houve quem, em vez de procurar saber se as denúncias eram verdadeiras, preferisse referir a “gravidade” das acusações, como se só fosse admissíveis acusações sem gravidade. Sim, eram acusações graves. Por isso, talvez fosse mais relevante analisar a sua fundamentação.
Em termos pessoais, nos últimos dias, vi-me na necessidade de colocar duas publicações do meu blogue em acesso restrito, por conterem passagens de comunicações entre elementos de uma escola pública “de referência”. Apesar de uma ser de um documento administrativo, necessariamente de acesso público, e outra, parte de uma mensagem enviada a cerca de duas centenas de pessoas, por pressão da liderança dessa “unidade orgânica”, os seus autores, apesar de não identificados, solicitaram a sua supressão.
Em qualquer das situações, a instalação do medo já foi feita com sucesso.
“(…), não cabe só a nós instalar o medo, é preciso também que haja, da parte dos concidadãos, um estado de disponibilidade mental (eu diria mesmo moral) para aceitar o medo. É como um sinal. Não só é importante que a emissão do sinal seja forte, é também conveniente que a recepção o seja.” (ibid.)
Professor do Ensino Básico.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico