O longo caminho das férias judiciais

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Quando se aproximam do fim as férias judiciais em curso, justifica-se uma rápida viagem no tempo: férias destas já estavam previstas em longínquas leis. Nas Ordenações Filipinas, concluídas em 1595, previa-se que fossem ordenadas de várias “maneiras”,as mais importantes “por louvor e honra de Deus” e, no fim da lista, as que eram “dadas para colheita do pão e do vinho”, “outorgadas por prol comum do povo e que são de dois meses”. E estes “dois meses para a colheita” já vinham detrás, das Ordenações Afonsinas e Manuelinas. Vivíamos então em sociedades agrárias, mas esta matriz resistiria às transformações económicas e sociais e às mudanças constitucionais e legais.

Quase quatro séculos depois, as férias judiciais iam de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 1 de Agosto a 30 de Setembro. Em 1987, em relação a mais de 95% dos processos judiciais (uma pequena parte corre em férias) podia dizer-se que, por cada ano que pendessem, “estavam parados” durante 83 dias, a título de férias judiciais. Num desses processos que levasse 3 anos até ao trânsito em julgado da última decisão, mais de 8 meses eram simplesmente consumidos por elas. Nesse ano, invocando – e bem – o interesse geral na continuidade do serviço público e o exemplo doutros países europeus, um governo (PSD) aprovou uma proposta de lei prevendo uma redução nas férias judiciais (os dois meses originariamente concedidos para “a colheita” passariam a mês e meio). Levantaram-se as profissões judiciárias em peso contra a proposta e o governo abandonou a ideia da redução no decurso do processo parlamentar, mantendo-se os dois meses como nas Ordenações (agora com início a meio de Julho).

Só quase 2 décadas mais tarde, em 2005, um outro governo (PS) voltaria ao ponto, propondo agora uma redução de 30 dias (de 2 meses no Verão para 1 só: Agosto),e passando assim as férias judiciais de 83 para 53 dias.

Repetiu-se a oposição das profissões judiciárias, sindicatos – incluindo de magistrados – deliberaram greves, ocorreram manifestações e foi mesmo noticiada a entrega de uma queixa ao secretário geral da ONU. Mas a Assembleia aprovou a redução proposta e a lei desligou-se, por fim, do prazo afonsino: estávamos no séc. XXI. Havendo regimes diversos (um bom número de países, em especial no Centro e Norte da Europa, não consagrava férias judiciais, noutros funcionavam por períodos, em geral, menores que os nossos) com o passo dado ficávamos, por essa altura, alinhados pela solução intermédia que era a de Espanha e de vários outros países europeus.

A nova lei vigorou durante alguns anos (2005-2010). Contudo, logo que se alterou a composição do Parlamento, foi apresentado e aprovado um projecto de lei (PSD) visando ampliar, outra vez, as férias judiciais (mais 15 dias, subindo assim,no total,de 53 para 68). É esse o regime que se manteve,sem alterações, de 1 de Outubro de 2010 para cá. De quantas décadas iremos precisar para retomar o caminho ?

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