O lembrete do Metrobus

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A nova gestão da Metro do Porto resolveu suspender esta semana a segunda fase do Metrobus, depois de meses de coro de protestos que, apesar de diferentes tons, juntou movimentos associativos, cidadãos e a esmagadora maioria dos candidatos autárquicos na cidade.

Perceberemos melhor a genuína sensibilidade dos novos responsáveis da empresa após o resultado eleitoral de dia 12, quando for conhecido o sucessor de Rui Moreira na autarquia portuense, mas parece consensual que, lançado como uma das apostas para revolucionar a mobilidade na cidade do Porto, o atual projeto do Metrobus, com os seus muitos (76) milhões de euros financiados pelo PRR, tornou-se um símbolo de como não construir cidade.

Planeado para ligar a Casa da Música à Anémona, na fronteira Porto/Matosinhos, em autocarros a hidrogénio, o projeto prometia mobilidade sustentável, mas revelou-se ao longo do tempo uma imposição burocrática que faz orelhas moucas à vontade popular e desrespeita a alma de uma zona nobre da cidade.

Já não bastassem as trapalhadas da primeira fase do projeto - que fazem com que, um ano depois, ainda não se veja qualquer novo autocarro a circular entre a Casa da Música e a Praça do Império -, a segunda fase, na Avenida da Boavista até à Foz, tornou-se o epicentro de uma discórdia que encontrou palco na campanha autárquica e, assim, conseguiu mobilizar atenções que, fora deste período de escrutínio, talvez acabassem de novo ignoradas.

A Boavista, na sua zona sul, é uma espécie de oásis de tranquilidade urbanística, com árvores centenárias, ciclovias e uma harmonia que equilibra o pulsar da cidade. O corredor central previsto para o Metrobus ameaça essa essência, promovendo o abate de árvores nesse corredor (embora com planos de compensação nos passeios laterais e outras zonas) e afastando a atual ciclovia que é, na realidade, um dos mais bem conseguidos canais de mobilidade suave da cidade. Os anunciados ganhos de tempo de deslocação proporcionados pela solução do Metrobus numa parte da avenida que não enfrenta a pressão urbanística de outras zonas não justificam o custo ecológico e estético.

Ora, a mobilidade deve adaptar-se aos hábitos da população, não impor soluções desconexas. O Metrobus, porém, avançou como uma típica solução desenhada em gabinetes desligados da realidade, sem diálogo genuíno com quem vive a cidade, ignorando pareceres da Assembleia Municipal e críticas do próprio Rui Moreira, autarca que, no entanto, foi aprovando os projetos alegando a urgência dos prazos europeus.

Em suma, um exemplo gritante de tecnocracia que deveria servir de lembrete a quem acabar eleito dia 12: as cidades constroem-se com as pessoas, não contra elas.

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