A melhor forma de avaliarmos o legado de alguém é imaginar o que seria da sua comunidade - e do país - se essa pessoa não tivesse existido, ou se não tivesse feito aquilo que logrou fazer. Questionemo-nos, como fez a escritora Lídia Jorge, como seria Portugal se Francisco Pinto Balsemão não tivesse saído da sua zona de conforto e decidido agir na política, no jornalismo, na cultura e em outras áreas da vida nacional onde imprimiu o seu legado ao longo de mais de cinquenta anos.Para começar, teria sido um país diferente do ponto de vista político. A própria integração europeia poderia ter sido adiada vários anos. Foi Francisco Pinto Balsemão que, enquanto primeiro-ministro e em conjunto com Mário Soares, fez a revisão constitucional que, em 1982, acabou de vez com a tutela dos militares sobre a nossa democracia. Este facto é algo que muitos nem sabem nem sonham o quanto foi importante para a normalização da nossa democracia e para a integração de Portugal na comunidade europeia.Por outro lado, temos o legado de Balsemão nos media. E aqui não há dúvidas sobre a importância do seu legado: fundou o Expresso, reiventando a imprensa escrita em Portugal e criando um jornal ao nível do que melhor se fazia nos países mais avançados da Europa de então. Mais tarde, nos anos 90, quando o sector finalmente saiu da alçada do Estado, Balsemão lançou o primeiro canal de televisão privada em Portugal, a SIC, que deu origem a toda uma revolução. Quem ainda se lembra do Portugal que tinha apenas dois canais estatais, um dos quais a meio tempo, recorda-se da diferença que fez a entrada em cena de uma televisão diferente e mais arejada. Francisco Pinto Balsemão defendeu sempre o jornalismo e isso explica a admiração que muitos jornalistas lhe dedicam, mesmo aqueles que, por alguma razão, sejam críticos das suas ideias ou de algumas decisões que tomou. Como qualquer mito, o do “Balsemão bom patrão”, não contará a história toda. Mas haverá verdade mais do que suficiente para que o Expresso se tenha assumido, desde 1973, como um jornal de referência, muito credível e que apelava um Portugal urbano e culto. E para que hoje, nestes dias de outubro de 2025, muitos jornalistas e trabalhadores do grupo Impresa se sintam órfãos após o falecimento do fundador.Como sempre acontece, apenas o tempo permitirá fazer uma avaliação mais completa do legado de Francisco Pinto Balsemão. E, como qualquer outra personalidade, também a sua teve luzes e sombras, quer como político, quer como empresário dos media. Mas estes factos - o fim da tutela militar sobre a democracia e a fundação do Expresso e da SIC, juntamente com a sua defesa da liberdade e do jornalismo - são mais do que suficientes para que possamos dizer, tal como o Presidente da República, que Portugal perdeu uma das personalidades mais marcantes das últimas seis décadas.Entretanto, o futuro do grupo Impresa vai jogar-se nas próximas semanas, nas negociações em curso com o grupo italiano MFE. Balsemão recusou sempre abdicar do controlo da Impresa e a urgência da atual operação deve-se a esse facto.