O lado negro da recuperação

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A Economia é sempre um tema relevante para uma Eleição Presidencial norte-americana, mas deixou de ser um barómetro decisivo para sabermos quem vai ser o próximo presidente dos EUA.

Até à emergência da polarização extrema, se a Economia corria bem, geralmente os Presidentes em funções (ou quem herdava a respetiva Administração) eram reeleitos; se corria mal, o mais provável era falharem a eleição. Era o tempo do “É a Economia, estúpido”, certeiramente elencado por James Carville, estratega político de Bill Clinton, em 1992.

A corrida de 2016 mudou esse paradigma. Depois de oito anos de recuperação económica com Barack Obama, na sequência da maior recessão desde os Anos 30 do século XX, Hillary Clinton perdeu para Donald Trump. Temas como a identidade ou o receio da imigração terão contado mais.

Para esta eleição de 2024, a dúvida ganha maior dimensão.

Joe Biden endossou em Kamala Harris a herança política desta Administração. Alguns dados macroeconómicos parecem beneficiar as oportunidades de reeleição: o desemprego está globalmente baixo; a inflação reduziu muito mais rápido do que se esperava, depois do pico de 9,1% há dois anos (está agora nos 3%); os EUA foram o país do G7 com maior crescimento económico nos anos 2022 e 2023 (fruto de um mercado de trabalho forte e inflação em queda). Os EUA registaram um crescimento de 3,3% no quarto trimestre de 2023 e de 2,5% no global de 2024, bem acima das restantes economias G7.

A taxa de desemprego nos Estados Unidos manteve-se abaixo dos 4% no último ano e meio, num patamar historicamente baixo. Nestes três anos e meio de Presidência Biden foram criados quase 16 milhões de empregos na América: nunca um presidente criou tantos novos postos de trabalho em tão pouco tempo. E embora os preços tenham subido significativamente, os salários reais também cresceram com robustez. Mais importante ainda: as famílias de baixo rendimento foram quem mais registou ganhos no salário real.

A inflação elevada tem sido uma experiência dolorosa para muitos americanos e tem vindo a moldar a sua visão sobre a economia. Mas o mercado de trabalho forte ajudou na criação de riqueza, motor da procura e do poder de compra dos consumidores.

O problema é que os dados mais recentes da Economia parecem mostrar o lado negro da recuperação “Bidenomics”, política baseada em fortes investimentos (o que ajudou a ultrapassar rapidamente a queda covid, mas terá influenciado o agravamento da inflação, antes deste período de rápida descida, graças à política bem-sucedida de aumento dos juros).

A taxa de desemprego subiu de 4,1% para 4,3%, a mais alta desde outubro de 2021. A juntar a este aumento no desemprego, a retração nos ganhos salariais e o abrandamento do crescimento salarial estão a alimentar receios de recessão e a reforçar o argumento da Reserva Federal (Fed) para reduzir as taxas de juro, possivelmente de forma acentuada, já em setembro.

As contratações nos EUA desaceleraram substancialmente em julho: apenas 114 mil empregos criados - muito abaixo dos 175 mil previstos e cerca de metade do valor mensal médio do último ano (que estava bem acima dos 200 mil) e também abaixo da média mensal do último trimestre: 169 mil.

Para agravar o quadro de um mercado de trabalho em declínio, os ganhos de emprego em maio e junho foram revistos em baixa num total de 29 mil.

Baixa de juros para setembro

Perante este cenário ganha força a tese de que chegou o tempo de a Fed cortar as taxas de juro, já em setembro - provavelmente no primeiro de, pelo menos, dois cortes de juros que se aproximam.

A forte desaceleração nas folhas de pagamento em julho e o aumento acentuado na taxa de desemprego tornam inevitável esse caminho, possivelmente com uma baixa de meio ponto percentual em vez de 0,25%. Há até, de resto, economistas que defendem que o corte dos juros já devia ter ocorrido na semana passada, perante o receio de vir aí uma recessão.

O presidente da Fed, Jerome Powell, destaca, por enquanto, que houve progressos notáveis na redução da inflação e que o banco central poderá reduzir a sua taxa de juro diretora já em setembro, caso “o mercado de trabalho enfraquecer significativamente”.

Os reflexos para novembro

Quanto é que tudo isto vai pesar a 5 de novembro?

“A economia controla tudo”, apontou um executivo de vendas da Carolina do Sul, Chris Stinson, citado pela Voice of America. “Sem dúvida, é com isso que estou mais preocupado e é nisso que estarei a pensar quando votar em novembro.”

Sondagem divulgada no início de julho pela CNN mostrou que 36% dos entrevistados disseram que a economia é a questão mais importante na decisão de como votar. “Proteger a democracia” ficou em segundo lugar. Voltemos a Stinson. “Em quem confio para a economia? Estou indeciso. Os democratas parecem orgulhosos de serem antinegócios e pró-regulação, mas Trump ajudou-nos a iniciar este caminho de inflação devastadora quando introduziu todo aquele estímulo covid. O que sei são todas essas outras questões sobre as quais os democratas gostam de falar - coisas como prejudicar homens brancos como eu, adicionando regulamentações sempre que podem -; as pessoas não se importam com a saúde dos oceanos ou com que género usa que casa de banho, quando a grande questão é: ‘Estou desempregado e não consigo encontrar emprego’.”

Será que, no momento do voto, é mesmo a Economia que vai contar mais? Ou só uma certa perceção - possivelmente errada - disso?

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