O Irão acaba de cometer um grande erro e Israel não deveria seguir o exemplo
Será fácil ficar deslumbrado com a forma como os militares israelitas, americanos e outros aliados abateram praticamente todos os drones, mísseis de cruzeiro e mísseis balísticos iranianos lançados contra Israel no sábado e concluir que o Irão tinha marcado a sua posição, retaliando por Israel ter alegadamente matado um importante comandante iraniano que operava contra Israel a partir da Síria, e agora podemos dar o assunto por encerrado.
Essa seria uma leitura errada e perigosa do que acabou de acontecer e um enorme erro geopolítico por parte do Ocidente e do mundo em geral.
É agora necessária uma iniciativa global massiva e sustentada para isolar o Irão, não só para o dissuadir de tentar novamente tal aventura, mas também para dar razão a Israel para não retaliar militarmente de forma automática. Isso também seria um erro grave. O Irão tem uma rede regional e Israel precisa de uma aliança regional, juntamente com os EUA, para o dissuadir a longo prazo.
Portanto, deve haver grandes consequências diplomáticas e económicas para o Irão, com países como a China finalmente a avançarem: quando Teerão disparou todos aqueles drones e mísseis, não podia saber que praticamente todos eles seriam intercetados. Alguns foram abatidos sobre Jerusalém. Um míssil poderia ter atingido a Mesquita Al-Aqsa, um dos santuários mais sagrados do Islão. Podem ver-se fotografias online de mísseis iranianos a serem intercetados nos céus mesmo por cima da mesquita. Outro poderia ter atingido o Parlamento israelita ou um prédio de apartamentos, causando inúmeras vítimas.
Por outras palavras, estamos a falar de uma escalada sem precedentes na longa e fortemente contida guerra sombria entre o Irão e Israel, que se limitou quase exclusivamente a ataques direcionados de Israel contra unidades da Guarda Revolucionária do Irão no Líbano e na Síria onde, em primeiro lugar, elas não têm nada que estar. Depois, o Irão retalia, fazendo com que a sua milícia libanesa, o Hezbollah, dispare mísseis contra Israel. Também vimos o Irão contrabandear armas e explosivos da Síria para a Jordânia, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, para serem usados para matar israelitas e desestabilizar a Jordânia, e a Mossad assassinar um cientista nuclear dentro do Irão.
Israel nunca lançou um ataque tão grande com mísseis diretamente contra o Irão, e o Irão também nunca o tinha feito contra Israel, antes deste sábado. Na verdade, nenhum país atacou Israel diretamente desde que o Iraque de Saddam Hussein o fez com mísseis Scud, há 33 anos.
Sem uma iniciativa global liderada pelos EUA para impor sanções ao Irão e isolá-lo ainda mais na cena mundial, o comportamento do Irão será tacitamente normalizado, caso em que Israel muito provavelmente retaliará na mesma moeda, e estamos a caminho de uma grande guerra no Médio Oriente e do petróleo a 250 dólares o barril.
“A alternativa a uma guerra regional mais alargada e em grande escala, que não queremos e que Israel não quer, não pode ser um regresso ao statu quo anterior”, disse Nader Mousavizadeh, fundador e CEO da empresa de consultoria geopolítica Macro Advisory Partners e conselheiro sénior de Kofi Annan quando ele era secretário-geral da ONU.
Um esforço global para isolar o Irão, acrescentou Mousavizadeh, “é a melhor forma de separar o regime do seu povo, tranquilizar Israel e os israelitas sobre a sua segurança e eliminar a necessidade de uma maior escalada militar regional, o que seria um presente para o Irão e os seus representantes”.
É também a melhor forma de garantir que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de Israel, não arraste os Estados Unidos para uma guerra regional para reforçar a sua própria base política em ruínas.
É impossível exagerar as implicações político-militares do que acabou de acontecer. Pouco depois do ataque com mísseis, o presidente Ebrahim Raisi do Irão emitiu uma declaração afirmando que a Guarda Revolucionária tinha “ensinado uma lição ao inimigo sionista”. Claro que sim, mas pode não ser a lição que Raisi pensa que é.
O Irão acaba de revelar involuntariamente ao mundo inteiro que o seu Governo está tão penetrado pelas agências de espionagem ocidentais (porque tantos iranianos odeiam o seu próprio Governo) que o presidente Joe Biden foi capaz de prever quase a hora exata do ataque com um dia de antecedência, e isso mostrou ao mundo inteiro que Israel e os seus aliados ocidentais têm capacidades antimísseis muito superiores às do Irão.
Como escreveu no domingo o veterano correspondente militar do Haaretz, Amos Harel, estamos a falar de “uma conquista sem precedentes na história das guerras de Israel, embora com alguma ajuda de amigos, que tira em grande parte o trunfo principal na posse do Irão e do eixo: drones e mísseis. As impressionantes interceções do Sistema Arrow atraíram a maior parte da atenção, mas os pilotos israelitas e americanos derrubaram centenas de mísseis de cruzeiro e drones”.
É de presumir que o Irão e os seus representantes devem estar ao mesmo tempo desapontados e nervosos com esta reviravolta nos acontecimentos. Como Harel acrescentou: “A intenção iraniana, conforme avaliada antes do ataque, era exibir as suas capacidades com um ataque a alvos militares.
Uma análise das áreas onde os alertas foram emitidos sugere que o alvo poderia ter sido a Base Aérea de Nevatim, no sul de Israel. Parece que os iranianos planearam destruir a base e os avançados caças F-35 ali estacionados, que são a joia da coroa da ajuda americana a Israel. O Irão falhou completamente.”
Em vez disso, o ataque iraniano pode ter-se limitado a ferir gravemente uma menina beduína muçulmana israelita de 7 anos, atingida por estilhaços. E se a ofensiva do Irão foi tão ineficaz, os seus líderes devem agora estar a perguntar-se quão boas serão as suas defesas se Israel decidir agora retaliar. O Hezbollah deve estar a fazer o mesmo questionamento.
Isso pode explicar por que Raisi, depois de se gabar de ter dado uma lição a Israel, pediu (implorou?) que os EUA e todos os outros “apoiantes do regime ocupante… apreciassem esta ação responsável e proporcional da República Islâmica do Irão” e não continuassem a ofensiva contra o Irão. Mensagem de Teerão para o mundo: Estávamos apenas a enviar um pequeno sinal de alerta; não há nenhuma razão para preocupação; vamos avançar.
Isto não acontece apenas porque Raisi está preocupado com a sua frente externa. No início deste mês, o Haaretz informou que “os adeptos de futebol iranianos no Estádio Aryamehr, de Teerão, foram convidados a observar um minuto de silêncio em homenagem aos sete membros da Guarda Revolucionária de elite do Irão, incluindo o general Mohammad Reza Zahedi, que foram mortos no ataque aéreo (israelita) ao seu consulado em Damasco. Em vez disso, os espectadores começaram a vaiar e a tocar buzinas num aparente ato de protesto. Num vídeo que circula nas redes sociais, fãs podem ser vistos a interromperem ruidosamente o momento de silêncio. … Num vídeo que circulou no X, veem-se fãs a gritar: “Peguem naquela bandeira palestiniana e enfiem-na no rabo!’” E esta não é a primeira vez que isto acontece em jogos de futebol.
Muitos iranianos compreendem que a obsessão do regime em destruir o Estado judeu nada mais é do que uma forma dispendiosa de desviar a atenção do público iraniano da repressão assassina interna contra o seu próprio povo. Como indica esta história do jogo de futebol, as pessoas estão a ter cada vez menos medo de o dizer em público, especialmente depois de o regime ter matado cerca de 750 mulheres, raparigas e homens desde que uma onda de protestos a nível nacional começou a 16 de setembro de 2022, após a morte da jovem curda, Mahsa Amini, sob custódia da polícia da moral do Irão. Muitos milhares mais foram presos.
Uma das razões pelas quais o Irão apoia a guerra do Hamas e prefere que Israel permaneça preso em Gaza e a ocupar a Cisjordânia é que isso mantém o mundo e muitos americanos concentrados nas ações israelitas, em vez de se concentrarem na repressão brutal contra os manifestantes democráticos no Irão e na influência imperialista do Irão na região, onde utiliza representantes para controlar a política do Líbano, da Síria, do Iraque e do Iémen e usa esses países como bases militares para atacar Israel.
Ninguém deve pensar que o Irão é apenas um tigre de papel. Teerão ainda pode lançar milhares de mísseis de curto alcance contra Israel através do Hezbollah e, como alguns destes mísseis têm orientação precisa, podem causar danos significativos às infraestruturas de Israel. O Irão também tem mísseis maiores no seu arsenal.
Ainda assim, o que aconteceu no sábado é, em última análise, um impulso significativo para o que chamo Rede de Inclusão no Médio Oriente (países mais abertos e conectados como a Jordânia, a Arábia Saudita, o Bahrein, os Emirados Árabes Unidos, o Egito e Israel e os aliados da NATO) e um verdadeiro revés para a Rede de Resistência (os sistemas fechados e autocráticos representados pelo Irão, o Hamas, o Hezbollah, os Houthis e as milícias xiitas do Irão no Iraque) e a Rússia. No Irão e na Rede de Resistência no domingo de manhã ouvia-se aquele som que se ouve no GPS do carro depois de uma viragem errada: “Recalculando, recalculando, recalculando”.
Este artigo foi publicado originalmente no jornal The New York Times
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