Há um momento histórico crucial na existência coletiva dos portugueses, quando após ser investido como Rei pelos três Estados, em 1495, D. Manuel, cumprindo os desígnios do Príncipe Perfeito, seu antecessor, perguntou ao seu Conselho se deveríamos ir à Índia. Como nos diz o cronista João de Barros, a resposta que obteve foi negativa, dominada pelos receios dos perigos e incertezas do mar oceano. Contudo, ouvidos os conselheiros, não teve o monarca dúvidas em decidir diversamente continuar. “Finalmente el-Rei assentou de prosseguir neste descobrimento; e depois, estando em Estremoz, declarou a Vasco da Gama, fidalgo de sua casa, por Capitão-mor das velas que havia de mandar a ele, assi pola confiança que tinha de sua pessoa como por ter aução nesta ida”. E assim podemos compreender os Descobrimentos como a demanda de novas paragens e de novos povos, além do achamento de nós mesmos e da concretização pela primeira vez na história da humanidade de um mundo global capaz de concretizar o diálogo entre os povos do Ocidente e do Oriente e o reconhecimento de uma mesma dignidade para todas as pessoas. Deste modo, D. Manuel, o Venturoso, tornar-se-ia o primeiro monarca global, no que Arnold Toynbee designou como a Era Gâmica, considerando a chegada de Vasco da Gama à Índia um momento único na abertura de horizontes para considerar a humanidade como uma só. Por muito que alguns queiram desvalorizar o acontecimento, a verdade é que tudo mudou então à face da terra. Um dia na UNESCO, António Alçada Baptista perguntou a alguns críticos das navegações, como teria sido possível assegurar o reconhecimento universal dos direitos humanos sem esse passo decisivo. E Eduardo Lourenço ensinou-nos a compreender que, mais do que falar de glórias ou de desilusões, devemos olhar para diante e assumir as responsabilidades de hoje com todas consequências.Somos nós mesmos, com tudo o que se nos exige agora, nem melhores nem piores do que outros, sabendo lidar com virtudes e defeitos – sem falsos messianismos. E se há lições sérias a tirar, já que não podemos refazer a História passada, importa deixar claro que há dois domínios em que não devemos transigir: a recusa do improviso, e a exigência da preparação e do planeamento; bem como o reconhecimento da importância da educação e da ciência, da aprendizagem e da experiência, “o saber todo de experiências feito”. Os infantes D. Pedro e D. Henrique agiram em coerência e complementaridade segundo um objetivo comum. E temos de ser claros, sobre o reconhecimento da importância do planeamento, preocupação que encontramos na Crónica dos Feitos da Guiné de Zurara e que está espelhada no testemunho vivo de Pedro Nunes, Garcia de Orta e D. João de Castro. “Não há dúvida que as navegações deste reino de cem anos a esta parte: são as maiores: mais maravilhosas: de mais altas e mais discretas conjeturas: que as de nenhuma outra gente do mundo” – como disse Pedro Nunes. O acaso não dita o desenvolvimento, este exige vontade, determinação e avaliação para definir o caminho e para corrigir contratempos e dúvidas. Eis por que razão falar do que significou o Plano da Índia não é uma questão do passado, mas ensinamento para o presente e futuro, no tocante não a miríficas ilusões, mas à consideração de questões de atualidade, ligadas à necessária ponderação do que tem de ser feito para o progresso humano.Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian