O Grémio Nacional das Farmácias: entre a consolidação do corporativismo e a transição democrática

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O Estatuto do Trabalho Nacional publicado em 1933 previa a obrigatoriedade de todos os setores do mesmo ramo do Comércio, Indústria e Lavoura estarem representados através de grémios, cujas bases foram decretadas a 23 de Setembro. Três meses mais tarde, o Ministério do Interior, através da Direção Geral de Saúde vinha clarificar que a propriedade de farmácia era exclusiva dos farmacêuticos, o diploma foi a forma encontrada para tentar condicionar o número de farmácias existente no país, contudo acabou por lhes impor o cumprimento de um rigoroso horário semanal, bem como a obrigatoriedade de fazerem turnos, medidas que foram encaradas com alguma repulsa tanto por farmacêuticos, como por proprietários.

Desta arquitetura sindical do Estado Novo fez, ainda, parte a constituição, por alvará de 27 de Março de 1935, do Sindicato Nacional dos Farmacêuticos, que integrou todas as associações de farmacêuticos e, três anos mais tarde, a 19 de Novembro de 1938, data em que foram aprovados os seus estatutos, do Grémio Distrital dos Proprietários de Farmácia de Lisboa. Era uma corporação de inscrição obrigatória que agrupava, apenas, os proprietários de farmácia da capital portuguesa.

O Grémio é apenas um exemplo das centenas de organismos que o regime corporativo instituído por António de Oliveira Salazar criou por todo o País entre o início da década de 30 e 1974. As dificuldades que enfrentou no seu percurso mostram-nos as fragilidades de um corporativismo de associação, que cedo expôs os limites da implementação de um sistema burocraticamente complexo, especialmente no que dizia respeito à atividade económica, onde, muitas vezes, o que mais sobressaía era uma forte regulamentação estatal. Crescendo ao mesmo tempo que o Estado Novo se instituía, o Grémio teve o seu momento áureo durante a II Guerra Mundial, num contexto de escassez em que ficou clara a dependência externa do regime, quando foi chamado a desempenhar o papel de distribuidor de matérias-primas essenciais ao quotidiano da Farmácia, dotado de uma capacidade de interferir no circuito de distribuição.

De resto, a dimensão social da Farmácia tornou-se visível sobretudo a partir de 1968, quando foi aprovado o primeiro código deontológico da profissão, acompanhando, assim, o gradual crescimento de uma farmácia de cariz comunitário, um elo de ligação privilegiado entre a comunidade e os serviços de saúde. É fácil, deste modo, compreender os contornos da crise generalizada em que o setor se encontrava quando a Revolução de Abril de 1974 teve lugar, numa altura em que existiam aproximadamente 2250 organismos corporativos, desde logo pela necessidade de conseguir construir um projeto mobilizador, capaz de envolver farmácias e farmacêuticos, recuperando a sua importância de modo a reconquistar o seu lugar, deste feita na hierarquia de um serviço nacional de saúde que os primeiros tempos da democracia tinha começado a arquitetar.

A 27 de Julho de 1975 foram aprovados, em Coimbra, os estatutos da Associação Nacional das Farmácias. Com a constituição do novo organismo, colocava-se um ponto final nos 35 anos de atividade do Grémio e encetava-se um caminho de modernização do setor, que seria marcado pelo desaparecimento gradual da farmácia de oficina e pela difusão da farmácia comunitária.

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