O governo e a legislação laboral. Entrada de leão e saída de sendeiro?

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O governo encheu o peito e durante cerca de cinco meses, no recato dos gabinetes, elaborou um conjunto de alterações de legislação laboral sem articular com os sindicatos o que estava a construir.

Começou a casa pelo telhado e vamos ver se, agora, a casa não lhe cai em cima.

Excesso de confiança e uma enorme falta de sensatez da parte do Executivo levou a uma ameaça de greve geral por parte das suas centrais sindicais, UGT e CGTP.

Arrogância do Governo ? Sem dúvida que sim. Falta de sensatez? Com certeza que houve. Estratégia de dureza nas propostas para depois haver espaço de recuo? É possível que sim, mas a coisa não terá corrido bem.

Não sei o que passa pela cabeça do governo que decide iniciar alterações da legislação laboral sem, previamente, ouvir os parceiros sociais no sentido de sentir o pulsar e a sua disponibilidade para essas mesmas alterações.

Onde está diálogo prometido?

A falta de postura dialogante do governo levou à marcação de uma greve geral e uma rara unidade entre as duas centrais sindicais. Um nó cego para o qual o Executivo terá de ter grande habilidade para o conseguir desfazer.

Isto não significa que a legislação laboral não precise de ser alterada no sentido de uma modernização que acompanhe as novas relações laborais que hoje nada têm a ver como que se verificava há duas décadas atrás.

Vejamos pois alguns aspectos mais controversos do que está em causa!

Os serviços mínimos da lei da greve têm, naturalmente, de ser mexidos. Não faz sentido a marcação de greves coincidentes com o fim ou início da semana, originando fins de semana prolongados e impedindo os que, não aderindo à greve, querem encontrar soluções de transporte para se deslocarem para os seus locais de trabalho. Estão no seu direito e deve-lhes ser dada essa possibilidade.

No que respeito aos contratos a termo não faz muito sentido alterar de dois para três anos o período da sua aplicação. Os contratos a prazo com datas de princípio e fim fixadas são um instrumento para manter uma certa forma de precariedade sobre o trabalhador e o seu posto de trabalho. O patronato, de uma vez por todas, tem de entender que lhe é favorável que o trabalhador “vista a camisola” da empresa e tenha um horizonte de segurança no seu vínculo laboral. Aumenta a sua produtividade. Habitualmente há alguma estupidez da parte dos patrões que preferem manter vínculos de trabalho frágeis.

No capítulo dos despedimentos em empresas até 250 trabalhadores ( a esmagadora maioria da empresas portuguesas estão neste patamar) o governo talvez esteja a entrar no domínio das inconstitucionalidades. Como admitir que um trabalhador que seja despedido não tenha direito a conduzir diligências e a indicar testemunhas para se defender?

Situação idêntica quando uma empresa faça um despedimento ilícito. Nesta situação o governo não quer permitir que a Autoridade para as Condições de Trabalho, dentro do que são as suas atribuições, possa travar esse despedimento ilícito. Como será isto possível?

Relativamente ao banco de horas, neste capítulo parece-nos bem que o trabalhador possa acumular horas (até um limite de 50 horas semanais e 150 horas anuais). Útil, por exemplo, para os mais jovens (ou os menos jovens) que queiram ter umas férias mais prolongadas.

Quanto a horários flexíveis para quem tem filhos até 12 anos com deficiência ou doença crónica tem toda a lógica que os horários flexíveis sejam autorizados, contrariamente aquilo que quer o Executivo.

Há todavia um aspecto em que o governo está cheio de razão, quando pretende que as empresas despeçam os trabalhadores que apresentem atestados falsos. Pois claro, sobre isto nada mais há dizer. Despedimento e ponto final.

Finalmente, quanto ao “outsorcing”, ou seja contratação de serviços externos face a um despedimento colectivo ou individual de trabalhadores, não nos parece bem. Os serviços externos devem ser contratados quando não há soluções técnicas dentro das empresas para o desempenho de certas tarefas. Não para substituir despedimentos colectivos ou individuais.

Bom, mas todas estas questões que elenquei atrás são assim tão difíceis de negociar?

Não, não são. O governo deve ter abertura para o diálogo, corrigir os erros e evitar a greve geral. Isto se não quer ter uma entrada de leão e uma saída de sendeiro.

Jornalista

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