À hora a que este texto é publicado, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF) já pode, ou não, ter condenado Jair Bolsonaro e companhia por golpe de estado. E não é preciso ser Nostradamus para prever que, nesses votos, os magistrados todos terão sublinhado a importância de cortar pela raiz impulsos despóticos num país redemocratizado há meros 30 anos.Porém, a menos de 300 metros de distância da sede do STF onde aqueles discursos são solenemente proferidos, um novo golpe de estado já está a ser parido. Começou no início de agosto, quando deputados bolsonaristas, sob o comando de Sóstenes Cavalcante, o braço político do televangelista Silas Malafaia, capturaram as cadeiras dos membros da direção da Câmara e do Senado. Durante o motim, ameaçaram mantê-las tomadas até que fossem votados, por um lado, uma amnistia aos golpistas de 8 de janeiro e, por outro, o impeachment de Alexandre de Moraes, juiz do STF que relata aquele julgamento. No fundo, não passam de bolsonaristas a usarem expediente semelhante, invadir o Congresso, e agenda parecida, derrubar Moraes, aos bolsonaristas anónimos de 8 de janeiro mas desta vez de fato e gravata.Os parlamentares passaram lá uma noite, revezando-se, e, embora tenham feito publicações em série nas redes sociais e dado dezenas de entrevistas, usaram adesivos na boca para simbolizar censura. Entre os mais exaltados, o deputado Zé Trovão, um camionista youtuber com chapéu de cowboy, acusado de violência doméstica pela noiva, e a deputada Júlia Zanatta, dona de um clube de tiro em Florianópolis onde esteve, por coincidência ainda mal explicada, o agressor de Bolsonaro pouco antes do atentado de 2018 em Juiz de Fora. Zanatta, que usa uma sinistra tiara de flores na cabeça, podia ser personagem de filme de terror. Tanto que levou para a rebelião na Câmara um bebé para lhe servir, conforme admitiu, “de escudo”, a mesma ideia de um candidato a senador dos EUA no livro A Zona Morta, do especialista no género Stephen King, que se defendeu de um atentado usando cobardemente um recém nascido como proteção.Um mês depois, já os deputados de chapéus de cowboy e bebés de colo se haviam cansado da insurreição, aquele filme de terror com laivos de comédia teve uma sequela mais assustadora por envolver vilões mais poderosos: o centrão, amplo conjunto de deputados de partidos conservadores que apoia quem lhes der mais nacos de poder e do orçamento, e Tarcísio de Freitas, o alegadamente moderado governador de São Paulo que está bem posicionado nas sondagens para desafiar Lula da Silva na presidencial de 2026.De olho nos votos dos bolsonaristas radicais, Tarcísio disse que não confia na justiça do Brasil e que, caso eleito presidente, o seu primeiro ato no Planalto será conceder indulto a Bolsonaro. E o centrão anunciou a intenção de costurar uma maioria no Congresso para votar uma “anistia ampla, geral e irrestrita”, mal o ex-presidente e os generais sejam condenados, golpeando de morte a Justiça e a Constituição brasileiras.Num país redemocratizado há meros 30 anos, o golpe está sempre à espreita. Jornalista, correspondente em São Paulo