O futuro de Xi Jinping e o nosso

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Na semana em que decorre o 20.º Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), confesso-me um leitor assíduo de Confúcio. Por isso e pelo respeito que tenho pela cultura chinesa, lamento a ausência dos seus aforismos como fontes de inspiração na reunião magna do PCC. Por exemplo, Confúcio defendia que cada um, sobretudo quem exercesse a autoridade, cumprisse o seu dever de forma verdadeira, com sinceridade, integridade e coragem moral. Não creio que os cerca de 2300 delegados ao congresso estejam a proceder assim. Limitam-se a bater palmas e a vergar a mola ao chefe do partido, Xi Jinping. O congresso é um mero ritual de consagração do culto da personalidade do líder. Uma extraordinária encenação política, em que cada um se limita a desempenhar a coreografia que lhe foi atribuída.

O próprio Xi, que de certeza leu Confúcio, deve ter-se esquecido de uma das lições que considero particularmente importantes. "Havia quatro coisas com as quais o Mestre recusava ter qualquer relação: recusava-se a fazer conjeturas ou a ser dogmático; recusava-se a ser inflexível ou egocêntrico" (Livro IX, § 4 dos Analectos). As imagens do congresso mostram Xi Jinping no centro de tudo, com um discurso rígido sobre Taiwan, Hong Kong, Xinjiang e o problema uigure, e ataques acirrados contra os EUA e o Ocidente. Muitos dos atuais dirigentes, se pudessem, não teriam aprovado a nomeação de Xi para um terceiro mandato. A eternização do líder recordar-lhes-á os tempos loucos e tenebrosos de Mao Zedong. A prática fora abolida pouco tempo depois da sua morte, para evitar uma repetição dos extremismos e da violência da época maoísta. Voltou agora, por vontade de Xi.

A convicção de que o Ocidente está em decadência, e que a China será a superpotência de amanhã, é um erro perigoso. Voltando aos ensinamentos de Confúcio, ele tinha por hábito repetir que, numa sociedade disciplinada e bem governada, deve haver espaço para a crítica e para a contestação ordenada dos líderes e das instituições. Caso contrário, mais tarde ou mais cedo, instalar-se-á uma ditadura e todas as ditaduras, sobretudo quando se trata de subjugar 1,4 mil milhões de cidadãos, levam fatalmente à explosão social. Mesmo num país tipo Big Brother, onde existe uma câmara de vigilância para cada sete cidadãos e toda uma parafernália de controlos por inteligência artificial. Uma ditadura, sobretudo quando as dificuldades económicas se começam a fazer sentir - a taxa de desemprego jovem é de 20% na China -, é, na hora da verdade, um gigante com pés de barro. Por muitas diferenças culturais que possam existir entre a população chinesa, o resto do mundo e nós, a aspiração pela liberdade é algo de universal.

Essa é, na minha opinião, a principal fragilidade da China de hoje, com um regime não apenas de partido único, mas acima de tudo, com um líder incontestável. Um regime ditatorial não é sólido. Tem uma força e estabilidade aparentes, mas com o tempo, por várias razões possíveis, acabará por ruir.

Isto não significa que não reconheça os progressos obtidos nos dez anos da governação de Xi Jinping. Quero, no entanto, sublinhar que ele deveria ter permitido a renovação da direção política do país, incluindo a promoção de uma nova geração de mulheres dirigentes - os órgãos principais do PCC são compostos de homens de fato escuro, cabelos pintados de preto, para esconder a idade, 24 no Politburo, e apenas uma mulher, nenhuma na Comissão Política Permanente. E que, passados dez anos no poder, o congresso deveria ser o momento de fazer o balanço e de ceder o cargo, como fora estatuído há quatro décadas.

Agora, para se manter na liderança, precisa de um argumento forte. Esse argumento é Taiwan. Xi precisa de controlar as empresas produtoras de microprocessadores da geração mais recente, que são em grande parte produzidos em Taiwan. Sem esses chips não poderá fazer avançar rapidamente a sua produção de sistemas militares avançados, hipersónicos, autónomos (inteligência artificial) e de vigilância e espionagem em larga escala. Recentemente, os EUA dificultaram ainda mais o acesso de Beijing a essas tecnologias. Há que ir buscá-las a Taiwan. Por outro lado, Xi Jinping quer ficar na história da China como o reunificador do país. Conseguiu controlar Hong Kong e subjugar Macau. Mas o grande troféu chama-se Taiwan. Pode, no entanto, ser uma ambição desastrosa, para a China, para a região e para uma boa parte do nosso mundo.

Conselheiro em segurança internacional
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU

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