A divulgação do plano americano para a Ucrânia, negociado diretamente entre Washington e Moscovo e apresentado como um facto consumado, confronta a Europa com o seu momento mais decisivo desde o final da Segunda Guerra Mundial. A nova administração norte-americana deixou claro que a segurança europeia já não é uma prioridade e o plano redesenha a arquitetura de segurança do continente, redefine fronteiras pela força e transforma a soberania ucraniana numa categoria meramente formal.O documento começa por afirmar que a soberania da Ucrânia será “confirmada”, mas imediatamente a limita. Impõe a redução das forças armadas a 600 mil efetivos, consagra na Constituição a neutralidade permanente e a renúncia a qualquer adesão futura à NATO e impede a presença de forças estrangeiras no território. Crimeia, Donetsk e Luhansk passam a ser reconhecidas de facto como russas. Partes adicionais do Donbass sob controlo ucraniano tornam-se zonas desmilitarizadas reconhecidas como território russo e Kherson e Zaporizhzhia permanecem congeladas ao longo da linha de contacto.Os Estados Unidos oferecem ainda garantias de segurança condicionadas, um pacote económico bilateral com a Rússia, acesso a lucros provenientes de ativos russos congelados e a reintegração progressiva da Rússia na economia global, incluindo um eventual regresso ao G8. O acordo prevê ainda um Conselho de Paz presidido pelo próprio Trump, com poderes para impor sanções caso qualquer parte viole o memorandum.Na resposta da Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen afirmou que nenhum plano pode ser credível se assentar na cedência territorial forçada. E sublinhou três princípios essenciais. Primeiro, as fronteiras não podem ser alteradas pela força. Segundo, nenhum país soberano pode ver as suas forças armadas limitadas a um ponto que o torne vulnerável a ataques futuros. Terceiro, a centralidade da União Europeia na construção da paz deve ser plenamente refletida. Von der Leyen recordou ainda que a Ucrânia tem direito a escolher o seu destino e que esse destino é europeu, começando pela reconstrução, pela integração no mercado único e na base industrial de defesa e culminando com a adesão à União. Acrescentou um ponto moral central: nenhuma paz será aceitável sem o regresso das crianças ucranianas raptadas pela Rússia.A Cimeira do G20 em Joanesburgo reforça esta posição, reafirmando a defesa do multilateralismo, condenando o uso da força para aquisição territorial e insistindo na obrigação de respeitar o direito internacional, o direito humanitário e os princípios da Carta das Nações Unidas.Aceitar o plano americano significaria validar a violência como instrumento legítimo de política externa, destruir o pilar central da ordem europeia e minar a capacidade da União de defender os seus valores. Seria a vitória da força sobre o direito e o princípio do mais forte sobre a soberania dos Estados.A escolha que se coloca à Europa é existencial. Ou aceita este plano e abdica dos seus princípios fundadores ou assume a responsabilidade pela sua própria segurança e pelo futuro da ordem internacional baseada em regras. Esta segunda via exige investimento conjunto em defesa, reconstrução da base industrial europeia, apoio sólido e duradouro à Ucrânia e, sobretudo, uma política externa autónoma e coerente. Exige também que a Europa construa uma nova rede global de aliados que partilhem os princípios da Carta das Nações Unidas, numa parceria de iguais com as democracias de África, das Américas, do Pacífico e da Ásia e num diálogo estruturado com os outros países que, não partilhando os mesmos princípios, vivem as mesmas aflições.O futuro da Europa depende desta escolha. Se falhar, arrisca-se a entrar lentamente na longa noite fria e escura reservada aos que recusaram agir quando a história os convocou. O momento da decisão chegou. Professor Convidado UCP/UNL/UÉ