Todos os verões repetimos a mesma tragédia, com hectares queimados, casas destruídas e vidas interrompidas. O fogo alastra rápido, mas a resposta do Estado continua lenta e fragmentada. As entidades envolvidas na gestão parecem um novelo de siglas, setas e interesses ocultos, em vez de uma cadeia de comando eficaz.Todos reconhecem a falência do Estado nesta área, que urge reformar em vez de trocar acusações. Precisamos de simplificar estruturas, valorizar pessoas, clarificar processos e usar adequadamente as tecnologias de prevenção e combate já disponíveis em várias partes do mundo.Existem satélites como o FireSat, capazes de detetar ignições em segundos e prever a propagação com sensores de infravermelhos e inteligência artificial. Há redes nacionais que cruzam dados de satélites, sensores de solo e meteorologia para gerar alertas quase em tempo real.Existem torres de vigilância inteligentes com câmaras térmicas em 360º, sensores de humidade que antecipam ignições, drones autónomos em patrulha contínua e robôs quadrúpedes com canhões de água para zonas de risco extremo. Tudo isto integrado em plataformas digitais interoperáveis, que unem informação de satélites, sensores, drones e equipas no terreno, oferecendo aos comandos uma visão única e clara.A interoperabilidade semântica e tecnológica garante que as entidades falem a mesma língua. A automação e a desintermediação asseguram que os dados cheguem diretamente a quem decide, sem filtros burocráticos. A transparência impõe processos auditáveis, evitando duplicações, desperdício e opacidade.Mas a tecnologia sem ordenamento é uma ilusão. É urgente criar um cadastro multifuncional do território português, atualizado e fiável, devolvendo a coordenação ao centro do Governo e à autoridade nacional de cadastro, mas respeitando as competências e os recursos informacionais das várias instituições públicas e dos operadores de telecomunicações, florestais, energia, estradas e recursos hídricos. Só assim se pode planear, responsabilizar e articular a resposta.São igualmente cruciais as cartas de risco em tempo real, alimentadas por dados de solo, vegetação e meteorologia. É vital valorizar a floresta autóctone, mais resiliente ao fogo, em vez de insistir em monoculturas inflamáveis. O ordenamento do território, com povoamento, mosaicos agrícolas, diversidade florestal e gestão de combustível, é tão decisivo como os drones ou os satélites.O país gasta milhares de milhões em combate e reconstrução, quando deveria investir em prevenção inteligente. Os custos diretos do combate aos incêndios são agravados por perdas em habitações, infraestruturas e economia local.A reforma estrutural e o investimento em tecnologia não são opções separadas. Reformar o Estado é torná-lo mais simples e ágil. Investir em tecnologia é dar-lhe instrumentos eficazes. Mas é igualmente necessário disciplinar fluxos financeiros e travar a captura do orçamento por corporações e interesses instalados. O dinheiro público deve proteger florestas e pessoas, não sustentar redes de influência.O verão de 2025 não pode ser apenas uma memória de cinzas. O Orçamento de Estado para 2026 que está em preparação e o debate autárquico devem marcar uma viragem estratégica na política de desenvolvimento do território. Com menos burocracia, mais ciência, mais tecnologia, mais interoperabilidade, menos intermediação, mais transparência e mais serviços de proximidade.O fogo dos próximos anos não se apaga apenas com mangueiras e aeronaves. Previne-se e apaga-se com satélites, drones, sensores, robôs, plataformas digitais, cadastro multifuncional atualizado, cartas de risco em tempo real e uma floresta autóctone valorizada. Tudo isto apoiado por processos transparentes e sujeitos ao escrutínio público.Especialista em governação eletrónica