O fim do capitalismo e a derrota do Ocidente
Na relação entre o Ocidente e a União Soviética havia divergência ideológica, competição militar e supremacia económica. Foi, de resto, pela economia, e pelo desejo de liberdade, que o comunismo soviético ruiu. Na relação entre o Ocidente e a China, também há divergência ideológica e por enquanto há supremacia militar (e poucas ameaças de conflito, à exceção de Taiwan), mas há integração e competição económica. E isso faz toda a diferença.
Durante a Guerra Fria, a suposta utopia comunista alimentou partidos e ideias políticas no Ocidente, mas o modelo económico nunca esteve verdadeiramente em causa. E foi por aí que se ganhou. Por aí, e pelo desejo de liberdade.
É cedo para saber como evoluirá a competição com a China, mas há diferenças que vão ser importantes. E a económica é a primeira de todas.
Perante o sucesso chinês das últimas décadas há, no Ocidente, quem esteja convencido de que a profecia marxista, de que o capitalismo haveria de vender a corda com que seria enforcado, se está a concretizar. E é por isso que defendem um retrocesso da globalização, o desmantelamento das cadeias de produção globais e deslocalizadas e a proteção das economias ocidentais, com reindustrialização e barreiras ao comércio e às importações. E ainda mais se convenceram da sua razão quando, em 2017, Xi Jinping foi a Davos defender a globalização e o comércio internacional.
A tudo isto acresce a convicção, entre os ocidentais, de que há perdedores da globalização que veem os seus empregos migrar, as perspetivas dos seus filhos desaparecer, e respondem votando em Trump ou noutro populista qualquer que prometa fazê-los grandes de novo. E que é preciso responder a estes eleitores protegendo-os da concorrência global.
O primeiro problema de tudo isto é que o Ocidente está a duvidar, precisamente, do que trouxe riqueza e progresso não só para nós, mas para o resto do mundo também. E, em vez de resolver os defeitos do sistema, há muito quem queira desfazer o modelo que resultou.
A isto, que é fácil de entender mesmo não concordando, acresce uma transformação mais profunda que parece estar em curso nos Estados Unidos da América e que põe em causa o motor fundamental do capitalismo: a vontade de ter mais.
Ao longo das últimas décadas, a América passou de país que recebe imigrantes com entusiasmo, consciente de que quem chega vem com ganas e vontade de criar, para duvidar dos imigrantes e recusar os estrangeiros. Ao mesmo tempo, os millennials e a sua preferência por desfrutar em vez de produzir, experienciar em vez de competir, são o oposto do empreendedorismo e do sonho americano. E, nos últimos anos, socialismo e Estado social foram deixando de ser insultos, nos Estados Unidos, para passarem a ser um dos caminhos possíveis. Extravagante, ainda, mas já relevante.
Isto tudo somado pode significar que o Ocidente, a começar pela América, vai sendo cada vez menos capitalista. Menos criativo e dinâmico economicamente. Mais acomodado embora, ao mesmo tempo, menos convicto. Mais fechado e menos competitivo. E, provavelmente, menos rico, ainda que talvez mais igual.
Pelo contrário, a China, sem ter seguidores políticos entre nós (ainda não há partidos, comunistas ou não, pró-chineses no Ocidente), parece estar a resultar economicamente, e a provocar a mudança do nosso sistema, colocando-o em causa.
Talvez mais do que outra coisa qualquer, é esta transformação do Ocidente que pode definir o resultado da competição. E, olhando para o que podíamos ter aprendido com o passado, desta vez há razões para duvidar do sucesso. Desde logo porque nós duvidamos.
Consultor em assuntos europeus