Com todo o respeito pelo princípio da presunção de inocência, as notícias divulgadas ontem de manhã só poderiam ter tido o desenlace que se conheceu. Foram demasiados casos, com um nível crescente de gravidade, e com protagonistas cada vez mais próximos do primeiro-ministro. A suspeição constante enfraquece as democracias e potencia os extremismos. E, apenas por isso, sem pretender fazer juízos antecipados ou questionar o direito à sua defesa, António Costa fez o que se exigia que fizesse num Estado de Direito democrático..Por mais que os comentadores especulem já sobre os potenciais benefícios desta decisão para outras forças políticas, nomeadamente aquela a que pertenço, quero deixar bem claro que não vejo nesta notícia qualquer motivo de celebração. Sobretudo, como deputada do Parlamento Europeu, não vejo motivos para me alegrar por ficar a saber que, na base das suspeições que motivaram os desenvolvimentos de ontem, se incluem negócios envolvendo fundos europeus, do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), nomeadamente os respeitantes aos projetos de hidrogénio para Sines..Quem acompanha os meus artigos e diferentes intervenções públicas, sabe que sempre questionei a forma como essa "bandeira" do hidrogénio estava a ser hasteada pelo Governo socialista. O caráter de prioridade absoluta que assumiu face a outros projetos envolvendo renováveis, cujas tecnologias estavam muito mais consolidadas. As reações epidérmicas de certos membros do Governo a qualquer opinião, denunciando a megalomania dos projetos anunciados para este setor..Assumi que estariam em causa, essencialmente, eleitoralismo, falta de visão estratégica e incapacidade de decidir com base nas evidências. Se vier a confirmar-se que outros interesses se impuseram, só poderei lamentar o terrível impacto que este caso seguramente terá na imagem externa de Portugal, mas também na já de si debilitada imagem que os portugueses têm daqueles que elegem para os representar..A descrença não é boa notícia para nenhum partido democrático. Não temos motivos para celebrar e, sim, para arregaçar as mangas e provar que faremos diferente e melhor se viermos a merecer a confiança dos portugueses..É importante sublinhar que o descrédito do Governo de António Costa não nasceu deste caso, nem desapareceria com uma eventual absolvição na Justiça. Há responsabilidades políticas de quem teve todas as condições para governar, políticas e financeiras, e não conseguiu resolver nenhum problema - na Saúde, na Justiça, na Habitação -, nem promover as reformas de que o país precisava para crescer de forma sustentada..Tal como, no caso concreto dos fundos europeus, e do PRR em particular, há muito que existiam culpas do Governo, por ação e omissão. Desde um planeamento deficiente, com um claro desequilíbrio entre as verbas alocadas ao setor público e ao privado, a uma execução incapaz..Saber, por exemplo, que apenas 4,84% dos mais de 630 milhões de euros alocados ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana foram pagos, numa altura em que o país se debate com uma crise sem precedentes na habitação, diz-nos muito sobre o sentido de urgência com que o Governo abordava os problemas do país. E constitui um exemplo de má gestão da coisa pública que, por si só, justificava punição..Mas este epílogo talvez contenha em si a esperança, por mais ténue que seja, de que a forma de governar Portugal que fez escola nos últimos oito anos, e em boa parte da nossa história democrática, tenha chegado ao fim da linha. Talvez estejamos prestes a dar início ao processo de construção do país que queremos e que merecemos..A forma de o fazer, como tantas vezes já disse e escrevi, não é nenhum mistério insondável. Exige visão de longo prazo e compromisso. Exige que se criem incentivos em vez de mais barreiras. E exige, sobretudo - por oposição à ligeireza e sobranceria com que fomos governados -, que se seja capaz de ouvir as preocupações das pessoas, das empresas, das instituições, e de agir no sentido de ajudá-las a ultrapassarem as muitas dificuldades com as quais se deparam..Eurodeputada