O fim da Autarcia

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Acaba de ser publicada em Histórias de Liderança, na editora Guerra e Paz, a biografia António Pinto Barbosa – O Primeiro Economista da autoria de Filipe S. Fernandes. Trata-se de um documento de grande qualidade e interesse, uma vez que aborda um período de grande importância na recente história portuguesa, correspondente aos anos cinquenta e sessenta do século passado. A personalidade do biografado reserva-nos uma análise extremamente original e premonitória de um momento crucial na transição das instituições portuguesas. Tive o gosto, no final dos anos oitenta, de fazer uma longa entrevista académica ao Professor António Manuel Pinto Barbosa, no âmbito da feitura do meu livro sobre a História do Ministério das Finanças.

O essencial dessas declarações encontra-se fielmente exposto na obra agora dada à estampa. Tenho na memória uma conversa muito agradável e profundamente pensada e fundamentada. As qualidades do mestre e a sua independência de espírito ficaram claramente demonstradas. A internacionalização da economia, a opção europeia, através da entrada na EFTA, o lançamento das bases de um sistema fiscal baseado não nos rendimentos normais mas nos rendimentos reais – constituíram marcas decisivas na passagem do “orgulhosamente sós” para um caminho de desenvolvimento moderno de Portugal.

“Em 1955, Marcelo Caetano é chamado ao Governo para Ministro da Presidência e Pinto Barbosa é nomeado para as Finanças. Apesar das desconfianças de Salazar, prevalece uma orientação de abertura moderada e de modernização da Administração Pública. Pinto Barbosa advoga as ‘linhas de defesa’ – que deveriam permitir ao país preparar-se para as mudanças que se estavam a operar em todo o mundo e para as exigências de uma competição cada vez mais intensa”. Estas “novas linhas” de defesa internas e externas relacionavam-se com as mudanças e a intensificação da concorrência económica mundial, o que implicava a necessidade de abertura ao exterior, a participação ativa nas organizações económicas e financeiras internacionais e a urgência de pôr em prática uma politica de modernização administrativa orçamental, tributária e dos mercados financeiros. A aproximação ao Banco

Mundial e ao Fundo Monetário Internacional permitiria beneficiar de apoio financeiro e técnico para o desenvolvimento e assim, como referiu o meu saudoso amigo Pedro Lains, com Pinto Barbosa abria-se no governo uma nova corrente de pensamento sobre o desenvolvimento da economia portuguesa. O Presidente da República, com conhecimento de causa, descreveu, aliás, com minúcia o essencial político desse período. Os efeitos do Plano Marshall fizeram-se sentir, bem como a complexa negociação para a entrada na EFTA, a substituição de uma pauta alfandegária protecionista pela integração numa zona de comércio livre, sob os auspícios britânicos e com a cautelosa salvaguarda do anexo G. Tudo isso faz parte das “linhas de defesa” que marcam a abertura económica e o fim da autarcia. Nicolau Andresen Leitão usou uma fórmula muito feliz para definir tal circunstância O Convidado Inesperado: Portugal e a Fundação da EFTA – 1956-1960. A complexa negociação que teve lugar é uma página notável na vida diplomática e económica, num momento especialmente difícil, em que prevaleceu o rigor técnico, a discrição a toda a prova, a reserva para o final da negociação dos casos bicudos, em nome de uma coerência que merece estudo. Assim se rompia o isolamento.

Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

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