O fardo do homem seguinte no banco
A expressão facial de João Pereira no banco de suplentes do Sporting não passa despercebida a quem segue o futebol português. Para os adeptos leoninos é perturbador ver o antigo lateral-direito, aguerrido e quezilento no relvado, deixar-se engolir pela apatia. Mas até quem torce por outros clubes, que tudo têm a ganhar com o descalabro dos rivais, sente desconforto com a situação.
Três pesadas derrotas depois, com dois testes na próxima semana, é fácil esquecer que João Pereira foi apresentado como a solução que o Sporting tinha desde há muito tempo planeada para suprir a saída do homem que deixou cair o microfone, na madrugada dos festejos do segundo título de campeão em quatro temporadas, prometendo voltar no ano seguinte, com o primeiro bicampeonato do clube desde o tempo dos Cinco Violinos. Ruben Amorim deixou cair a promessa, mas partiu com o Sporting em 2.º lugar na Liga dos Campeões, e líder isolado em Portugal, num avanço que se vai evaporando.
Além das dúvidas quanto à competência que João Pereira pode ou não ter tempo de demonstrar, de se ver forçado a ultrapassar questões práticas, como não ser oficialmente treinador principal - falta-lhe o mesmo curso que também Amorim não tinha - e de trazer lembranças da sucessão de escolhas erradas no Sporting antes da arriscada decisão de pagar a cláusula de rescisão milionária de quem dava os primeiros passos como treinador, carrega um fardo terrível: é o homem seguinte no banco após a partida de um campeão. Nada é mais difícil para um novo líder do que tomar o lugar de quem teve inquestionável sucesso, saindo por motivos de saúde, de cansaço ou, como neste caso, por surgir algo mais aliciante, em prestígio e em £ibras.
A sombra do bem-sucedido cobre quem lhe sucede, reduzindo a tolerância aos deslizes de quem aceitou a missão. O próprio Amorim teria tido dificuldades em perseverar se tivesse vindo para o lugar de um treinador campeão. Isto é tão válido para João Pereira como para líderes de partidos ou quaisquer outras organizações. Quem aponta o dedo a Rui Rocha, por a iniciativa Liberal ter estancado o crescimento, deve recordar o PCP depois de Álvaro Cunhal, ou imaginar o que sucederia ao Chega caso André Ventura se cansasse da política. Sem falar no caso de António Costa, que até agora vai sendo mais Ruben Amorim para Pedro Nuno Santos do que para Luís Montenegro.
Grande repórter do Diário de Notícias