A discussão sobre a inteligência artificial no ensino reabre o debate sobre o apoio escolar privado e as disparidades de acesso à aprendizagem.Um dia, numa iniciativa em que os ministros regressavam aos seus antigos estabelecimentos de ensino, coube-me visitar o Liceu Infanta D. Maria, em Coimbra, na época uma das mais bem cotadas escolas secundárias públicas do país.No final, ao felicitar a Diretora pelos excelentes resultados, a resposta dela foi surpreendente. Disse-me que o mérito não era principalmente da Escola e dos seus professores. Quase todos os alunos vinham de famílias de classe média que, além do mais, lhes pagavam explicações nas disciplinas fundamentais. Esta revelação impressionou-me, tendo vindo depois a constatar que esse cenário - o da “educação sombra” - se tornou a regra para quem pode pagar um ensino complementar. Infelizmente, a ausência de dados concretos impede-nos de traçar a verdadeira geografia deste apoio privado. Mas não há dúvida que a sua ausência é um fator de discriminação que agrava a desigualdade na aprendizagem em Portugal.Recordo agora esta história a propósito da recente polémica em torno do anunciado tutor de inteligência artificial (IA) para o ensino. Sabe-se ainda pouco sobre o projeto e é claro que será recomendável ensaiá-lo numa prova de conceito, experimentá-lo num projeto-piloto e avaliá-lo antes de o estender a toda a comunidade escolar.Não se trata, evidentemente, de substituir os professores nem o seu papel crucial no ensino e no apoio aos estudantes. A IA deve apenas complementar essa função, sobretudo para quem está desamparado em casa e sem apoio familiar direto. É claro que nada será simples, sabendo-se que a informação imprecisa está ainda entre os maiores riscos dos sistemas avançados do IA. Ainda assim vale a pena tentar este uso da tecnologia para um bom propósito: o de ajudar aqueles que não podem pagar explicações privadas, oferecendo-lhes apoio até de forma personalizada.Recordei, aliás, ao ler algumas das reações negativas imediatas contra o tutor de IA, outras muito semelhantes que testemunhei em diferentes ocasiões contra projetos mais disruptivos de modernização. Não me esqueço do que se disse aquando do anúncio do Cartão de Cidadão: que vinha aí o "Big Brother", que podíamos até ser clonados, que era de todo uma promessa falsa e um projeto impossível.Talvez seja melhor termos alguma calma e esperarmos pelos detalhes do explicador virtual (expressão mais comedida do que a de tutor) com algum espírito positivo, desejando que ele ajude os mais desfavorecidos a ter um ensino complementar algo semelhante aos seus colegas. Eu, pelo menos, farei isso com interesse, atenção e votos de sucesso.