Quando desempenhou, num momento especialmente dramático da vida nacional, as funções de Ministro das Finanças (1983-85), Ernâni R. Lopes afirmou de um modo claro e simples como era seu timbre: “É preciso valorizar o trabalho e não o golpismo, a honradez e não o oportunismo, o espírito de competição e não o privilégio, o lucro legítimo e não a ganância especuladora ou a caça ao subsídio”. Nestas palavras resume-se o que poderia estar num tratado de cidadania, constituindo um conjunto de objetivos e alertas que deveriam estar presentes no funcionamento de uma sociedade justa e decente. Infelizmente, há um grande esquecimento destas ideias, que de pouco valerão se se limitarem a um conjunto de conselhos bem intencionados. Na boca de quem as proferiu houve uma preocupação de traduzir em exemplos e em experiência tais desígnios. A publicação de Ernâni Lopes – Vida e Pensamento (U. Católica, 2025) apresentada há pouco reúne reflexões suas e testemunhos de uma equipa que consigo trabalhou. Ainda jovem confessou desejar ser monge, militar ou professor. De facto, optou pela docência, partindo das qualidades espirituais e de organização. Profundo estudioso e conhecedor da História, e em especial da grande saga dos portugueses nos descobrimentos do mar oceano, teve em mente a afirmação de Duarte Pacheco Pereira, o genial negociador de Tordesilhas e provável navegador dos mares do sul: “a experiência é a madre de todas as cousas”. No fundo, mais do que todas as teorias, importaria ligar o saber e o saber fazer. Por isso, Camões deu especial importância ao “velho de aspeito venerando”, “cum saber só d’experiências feito” – tendo alertado para que a Fama e Glória são nomes “com quem se o povo néscio engana”…Conheci bem Ernâni Lopes e ainda hoje recordo os seus conselhos essenciais, que basicamente se centravam nas qualidades que mais prezava - o estudo e o trabalho. Sabia como ninguém que os problemas do País exigiam a recusa do improviso. Havia que delinear a ação de modo coerente, definir objetivos e metas com a ponderação rigorosa das condicionantes, sabendo que não há explicações simples e que a economia e a sociedade estão intimamente ligadas. Quando Ernesto Melo Antunes o escolheu para Embaixador na República Federal Alemã, no momento em que a democracia dava os primeiros passos, fê-lo com extraordinária visão de futuro. Havia que preparar a democracia com rigor e conhecimento, em ligação com a melhor experiência europeia, e hoje sabemos que essa foi a estratégia necessária, a pensar na mobilização das qualidades nacionais, na perspetiva da integração europeia. “A decisão de aderirmos à CEE foi a maior mudança no posicionamento estratégico de Portugal e a maior reforma estrutural do país depois da II Guerra Mundial”. Apesar de todas as vicissitudes, esta foi a opção decisiva para a modernização do País. “O Portugal que queremos construir no futuro é uma nação livre e democrática com níveis de bem-estar e de desenvolvimento económico próximos dos países evoluídos do final deste século, integrada no modelo das democracias ocidentais”. Eis o que estava em causa, e daí o forte empenhamento pessoal no delineamento do projeto democrático. “Não vos escondo que a terapêutica será dolorosa”. Lembramo-nos desse momento decisivo, a que a democracia tanto deve.Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian