O estado da nação 3

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Duas características muito portuguesas são a inveja e a queixa. Claro que temos outras, francamente positivas: a capacidade de desenrascar, por exemplo, e a hospitalidade. Sei bem que estamos em crise nesse departamento e até há quem diga que já não somos o povo que acolhe, que integra, que ajuda o Outro. Mas eu insisto em acreditar que sim. Se um milhão e quatrocentos mil pensam o contrário, convém relativizar: somos quase onze milhões, um milhão e tal não é tudo.

Nesta rentrée, mergulhámos de cabeça na piscina da política: eleições autárquicas em outubro, presidenciais em janeiro de 2026. Fui ver a lista de candidatos e arrepiei-me: quem são algumas daquelas pessoas? Ainda assim, acredito que tudo na vida é político – a discussão no Parlamento, mas também a conversa no café. Não precisam de ser debates formais para contar, são gestos, pequenas tomadas de posição, e mostram o que desejamos para a sociedade.

O problema é que, hoje, as conversas já não são tertúlias de ideias nem trocas saudáveis. Vivemos num tempo em que as tensões estão ao rubro: pretendemos convencer os outros a qualquer custo, mas não estamos minimamente dispostos a ouvir. E quando não há escuta, o debate democrático morre.

Se deixamos de dialogar sobre o futuro do país, sobra a crítica amarga, o discurso negativo. O impacto é maior do que imaginamos, mina sobretudo os mais novos, que já crescem com a sensação de viver num mundo em declínio, sem contacto com as notícias positivas que também existem.

Muitos pais dizem-me, com desalento: “Os filhos não se entusiasmam com nada, não sabem o que querem, não têm motivação, mesmo que haja uma compensação à vista.” Talvez perder a esperança seja exatamente isso – não ter vontade de nada. Mas pergunto: por que carga de água haveriam de ter esperança? Veem a democracia falhar, o planeta a definhar, os ideais humanistas a perder terreno. E quando, apesar de anos de estudo, de licenciaturas e mestrados, não encontram um emprego digno desse nome, não será compreensível que duvidem do futuro?

Uma amiga contou-me: “A minha filha tem um currículo brilhante, estudou fora, terminou o mestrado com nota altíssima… e não consegue emprego. Tem 27 anos, vive em casa, como tantos outros.” Os números confirmam: os jovens saem de casa cada vez mais tarde, dependentes da ajuda económica da família. É a geração do salário mínimo, a geração que dificilmente superará os pais em conquistas ou bens. O desânimo não é só legítimo, é natural.

Eu nasci em 1970, cresci com as portas abertas pelo 25 de Abril, pela entrada na União Europeia, pela possibilidade de viajar, estudar, experimentar. Não costumo cair no discurso saudosista, não acredito no “no meu tempo é que era”. Cada tempo é o que é, com as suas circunstâncias. Mas este tempo que vivemos tem algo de absurdo, como se nos fugisse entre os dedos. Ainda assim, é o tempo de uma geração que terá de seguir caminho, encontrar propósitos, inventar formas de subsistência.

E nós, que exemplos lhes damos? Passamos os dias a queixar-nos, fechados ao diálogo, intoxicados pelas redes sociais com notícias falsas, proclamando orgulhosamente que vivemos na “pós-verdade”. Se não acreditamos em nada, se não confiamos em nada, como podemos oferecer esperança aos jovens ou aos velhos?

Não esqueçamos que Portugal é também um dos países mais envelhecidos do mundo. Estarão os candidatos às autárquicas realmente a ouvir? Estarão eles atentos às vozes dos jovens, dos idosos, de todos nós? Ou limitam-se a encenar um espetáculo mediático, alheios ao que se passa na vida real das pessoas?

Eis a pergunta com que fico, e para a qual ainda não encontro resposta.

Jornalista e escritora

Diário de Notícias
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