O ensino daquela coisa que se vive, mas que pode morrer

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Após um 25 de Novembro, que, com a sua devida importância, não é um 25 de Abril, mas também não é um 24, seria tão bom que se usasse o tempo e os dinheiros públicos para ajudar as gerações mais novas a perceberem que isto da democracia não é o que existe, é o que foi construído. E que dois terços das pessoas deste mundo não a vivem, mas mesmo assim faz sentido, é genuinamente bom e previne vários males e maleitas do poder.

A escolha, livre, solitária na urna de voto, confiante do que esta vale e significa. Que coisa extraordinária! E há tão pouco tempo a temos. Talvez as autarquias possam, em vez de mais uma rotunda, criar casas da democracia, físicas e no mundo online, onde se experimente o sistema e se conheçam também as alternativas, se aceda a informação, se aprenda a História e se ofereçam desafios do nosso tempo e do que achamos que será o futuro. Talvez o Estado Central possa fazer mais sobre isto também, nas suas escolas, nos seus programas, nas suas virtudes e nos seus erros.

E também as empresas, sempre dependentes e receosas das reações do seu mercado, mas a quem a democracia é fundamental, saibam-no ou não - quem quererá dizer que democracia é uma palavra proibida, porque não quer afrontar a sua dedicada clientela de fascistas? Com toda a onda de responsabilidade social, greenwashing e demais alimentos para o capital, esta não seria uma má opção.

A melhor garantia da democracia é, para além de continuar a pôr pão na mesa, a consciência de que qualquer alternativa - por mais sedutora, por mais cansaço que as virtudes da democracia provoquem, por maior desgaste das instituições e das políticas - a manutenção do orgulho coletivo na escolha popular. Isso precisa de políticos prontos a servir, mas igualmente prontos a sair e dar lugar a outros.

Precisa de clareza e de verdade no discurso e na prática. Precisa de opções transparentes e alternativas, não se diluindo tudo no pragmatismo financeiro ou na agenda partilhada da moda. Precisa de menos sobressaltos sobre o acessório e de mais informação sobre o essencial. Precisa de tempo, também, essa coisa que já não existe. E precisa, para além do pão na mesa, de qualquer coisa para o acompanhar...

Um falhanço do modelo de desenvolvimento, creio que hoje reconhecido, é, na verdade, a manutenção do modelo anterior no que diz respeito a salários, a manutenção da desigualdade gritante, o agravamento até do reconhecimento das qualificações e do valor do trabalho associado.

As pessoas não têm dinheiro para arrendar uma casa? As pessoas qualificam-se em Portugal, mas vão trabalhar na Suíça? É certo. E isso não se deve, estruturalmente, à nova atração de norte-americanos e franceses pelo bucolismo campestre ou pelo pitoresco das cidades lusas. Deve-se à incapacidade do regime de conseguir retribuir o trabalho em termos adequados aos preços deste país, às promessas apresentadas, às condições de vida quotidianas.

O problema não é, nem poderia ser, o número de imigrantes económicos em Portugal, vindos dos diversos cantos do mundo onde tudo é pior e qualquer luz alternativa cintila na escuridão, mesmo na sua fragilidade. Qualquer pirilampo é um sol, uma estrela, um fogo eterno, para quem vive numa noite que não tem nome.

Um SNS para todos? Sim - mas especialmente para os pobres. Não sequer por opção ideológica (ou talvez...), mas porque assim foi sendo desenvolvido, rodeado de incentivos, mais ou menos explícitos, às alternativas. Uma Segurança Social apenas para miserabilis personae? Sim. Um ambiente urbano e um desenvolvimento do território que é uma ode ao curto prazo, à rentabilidade imediata, à falta de beleza e de futuro em quase tudo o que se cria? Sim.

Merecemos isso? Não. Isso não são as escolhas da democracia. Isso é anterior, mais fundo. Visitantes, turistas, neste mundo, como somos todos, o dever é deixá-lo melhor. E, no que diz respeito ao valor da escolha, aí, temos mesmo o dever de não falhar.

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