O engano da estabilidade
Antes de ser o berço da chamada Primavera Árabe, a Tunísia esteve na vanguarda da estratégia europeia para o Mediterrâneo. Em Julho de 1995, foi o primeiro país do Norte de África a firmar um Acordo de Associação com a União Europeia, iniciativa cujo êxito se confirmou depois com a criação de uma zona de comércio livre com o bloco europeu.
Os propósitos desta aliança, definidos no Plano de Acção UE-Tunísia, ao abrigo da Política Europeia de Vizinhança, carregavam enorme ambição económica e política. Limando o burocratês dos documentos produzidos pelas instituições comunitárias, resumiam-se a uma palavra: estabilidade.
O aprofundamento das relações comerciais aumentaria interdependências, o que garantiria a estabilidade das fronteiras sul da União. Criar-se-iam tamanhas vantagens mútuas que nem mesmo o eventual aparecimento de um líder tunisino refratário faria perigar os méritos do acordo.
Muito mais importante, o desenvolvimento das transações económicas traria mudança política. As várias medidas previstas, da reforma das leis laborais a reformas judiciais, passando pela proteção ambiental e pelo estreitamento do diálogo político, ajudariam a Tunísia a abandonar o autoritarismo para, de maneira gradual e controlada, gestar um Estado de Direito tão democrático quanto possível.
Passada pouco mais de uma década, os resultados brilhavam: a União Europeia era a origem de 70% das importações tunisinas e o destino de 75% das exportações do país. O bloco europeu era também a principal fonte de investimento directo estrangeiro.
É certo que os avanços políticos eram nulos - ao fim de 10 anos, o Subcomité de Direitos Humanos, previsto no Plano de Acção, ainda discutia as suas normas internas de funcionamento - mas, como garantia o mantra europeu, tal grau de integração económica tornava inevitável a integração política.
Como sabemos, a eclosão da Primavera Árabe pôs a nu o fracasso clamoroso desta estratégia. O crescimento das trocas comerciais com a Europa apenas serviu para que o então presidente Zine El Abidine Ben Ali reforçasse a cleptocracia que regia com mão de ferro.
A conclusão desta história atesta um dos principais argumentos de Anne Applebaum no ensaio Autocracy Inc (2024): a crença ocidental - porque é de fé que se trata - na integração económica como antecâmara da integração política jogou a favor de líderes iliberais na Rússia, na China e em outros Estados que hoje ameaçam a ordem internacional.
Por isso, confrange saber que Ursula von der Leyen usou a palavra “estabilidade” para justificar uma chamada telefónica com o primeiro-ministro chinês na semana passada. Em Bruxelas, em várias capitais europeias e em não poucos jornais do Velho Continente desponta a sugestão de substituir os Estados Unidos da América pela China. Face ao despropósito tarifário de Trump, abrigo a Oriente. Pequim não é transparente, não respeita os Direitos Humanos, mas o comércio livre trará “estabilidade”.
Trump não teme a China, a Europa, nem o ridículo. Os riscos são evidentes. Mas nada disto faz da China uma alternativa viável. Os Estados Unidos da América, mais do que um parceiro comercial, eram para a Europa uma garantia de segurança e uma referência de ideias e valores. Ora, potência revisionista que é, a China não se oferece apenas como mercado, mas como alternativa completa a Washington. A Europa tem a obrigação de saber que a Oriente os ganhos são efémeros e vêm armadilhados.
Politólogo.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.