O elogio da diáspora

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"Onde está um português ou uma portuguesa está Portugal”, afirmou o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa no encontro anual do Conselho da Diáspora Portuguesa, que se realizou em Cascais, como já é tradição, agora com Nuno Piteira Lopes como anfitrião. A minha experiência como jornalista do DN bate certo com aquilo que o Presidente da República disse, e posso testemunhar que, por exemplo, numa recente viagem à Califórnia fui a San José, e no Petiscos, um dos restaurantes do chef David Costa, comi um caldo verde e uma bifana, com uma Superbock a acompanhar. E que no Vale de San Joaquin estive com Manuel Eduardo Vieira, um empresário de grande sucesso, a ponto de ser conhecido como o “rei da batata doce”, que chegou aos Estados Unidos há mais de meio século, ali criou os filhos fazendo questão de que crescessem a falar português, e nunca esqueceu o Pico, a ilha onde nasceu, tendo lá investido. Encontrei-me também com Paulo Afonso, professor universitário em Sacramento, que tem investigado a vida de João Rodrigues Cabrilho e de outros navegadores portugueses ao serviço de Espanha, reforçando a versão histórica de o descobridor europeu da Califórnia ter sido um português. E conheci igualmente Hugo Bernardo, que foi viver para São Francisco, depois de estudar no MIT, e que faz parte de uma nova geração de emigrantes que trabalha no setor financeiro ou tecnológico, e que não dispensa umas férias em Portugal todos os anos, para descansar e para os filhos reforçarem o português.

Durão Barroso, outro dos conferencistas, partilhou também a sua experiência de ter ido a mais de 100 países e sempre encontrar portugueses. Contou mesmo, com graça, a história de uma viagem quando era secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação ao então Zaire, em que encontrou, perto da fronteira da atual República Democrática do Congo com Angola, um português que negociava em madeiras, e que era chefe de uma tribo porque o anterior chefe tinha morrido e ele era casado com uma filha. O antigo presidente da Comissão Europeia destacou, porém, que hoje a diáspora é diferente da tradicional, pois cada vez é mais qualificada. Sublinhou ainda que a ligação a Portugal acaba, mais cedo ou mais tarde, por trazer frutos ao país.

Há uns anos, numa outra reportagem nos Estados Unidos, mas na Costa Leste, descobri, numa livraria às portas de Harvard, o livro de um historiador americano que lembrava que a emigração portuguesa começou no século XV, quando o país se lançou na construção de um império. E que se os Descobrimentos trouxeram riquezas longínquas, também levaram muitos portugueses para longe. “Para nascer, Portugal: para morrer, o mundo” já dizia o padre António Vieira, jesuíta do século XVII, nascido em Lisboa e que viveu grande parte da vida no Brasil. E a verdade é que, lendo os livros de História, vamos encontrar portugueses na Etiópia ou na Índia de há 500 anos, na Birmânia ou no Peru de há 400 anos, e por aí fora. Sobretudo, muitos partiram para o Brasil, antes e depois da independência, também para os Estados Unidos, à boleia dos baleeiros americanos que passavam pelos Açores, e já no século XX para as chamadas províncias africanas e para a Europa. Foi a necessidade de contrariar a pobreza a razão para muitos, mas também a vontade de conhecer mundo terá motivado milhares e milhares de portugueses.

Com a descolonização, já depois do 25 de Abril, uma das fontes de riqueza do país continuou a ser as remessas de divisas dos emigrantes na França, na Alemanha, na Suíça, nos Estados Unidos, no Canadá, no Brasil e por aí fora. Calculava-se que fossem então três ou quatro milhões os portugueses fora de Portugal. Hoje os números são menores, se contarmos só quem cá nasceu, mas ainda impressionantes se juntarmos os lusodescendentes, embora aqui a relação emocional com o país varie muito de caso para caso. Gostei de saber, num dia em que entrevistei Ernest Moniz, neto de açorianos que foi secretário da Energia na Presidência de Barack Obama, que este gostava muito de visitar Portugal. E a verdade é que ainda este ano aquele a quem já chamaram Sir Ernie de Fall River (por causa da condecoração portuguesa) esteve em Lisboa.

O Conselho da Diáspora Portuguesa foi, pode ler-se no site oficial, “fundado sob o Alto Patrocínio do Presidente da República, constituído Presidente Honorário da associação, e do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros como Vice-Presidente Honorário”. Nesse já remoto ano de 2012, quando Aníbal Cavaco Silva era o chefe de Estado, o primeiro presidente do Conselho da Diáspora foi Filipe de Botton, que marcou presença em Cascais. Atualmente, é António Calçada de Sá que está à frente desta rede que reúne portugueses que querem ajudar Portugal, gente da área financeira e empresarial, da tecnologia, da ciência, da arte, etc. Estão de parabéns, pelo que fazem e pelo amor a Portugal.

Como disse ontem em Cascais outro conferencista, João Vale de Almeida, antigo embaixador da União Europeia nos Estados Unidos, na ONU e no Reino Unido, é preciso contrariar aquela ideia dos três P muitas vezes associada a Portugal: a de que somos um país pequeno, periférico e pobre. É um desafio que deve unir os portugueses de dentro e os de fora.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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