O divórcio entre Ensino Superior e economia real

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Num trabalho publicado no Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, voltou ao debate o desajustamento entre o que se aprende nas licenciaturas ou mestrados e as necessidades da economia e do mercado de emprego. Não é de agora, em Portugal ou no estrangeiro, a constatação de que o Ensino Superior anda tradicionalmente um pouco atrasado face àquilo que as empresas reclamam. Contudo, entre nós a análise fica quase sempre pela rama, não indo à raiz do problema: a (pouca) vontade de mudança nas universidades e nos politécnicos.

São três as dimensões que condicionam o importante alinhamento entre Ensino Superior e economia real: a oferta de cursos, a carreira docente e a carreira de investigação.

Comecemos pela oferta. Em 2022, havia em Portugal cerca de 1.512 licenciaturas, 71 mestrados integrados, 2.034 mestrados e 610 doutoramentos. Este total de 4.227 ciclos de estudos, 8% superior ao de 2021, é excessivo face à dimensão do país, situação já denunciada pelo presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, João Guerreiro, que em dezembro de 2022 afirmou que "este problema da multiplicação dos ciclos de estudos tem de ter uma solução".

Ao nível da licenciatura, o problema é ainda mais grave quando se sabe que a dita oferta está inflacionada em áreas com baixa empregabilidade e interesse estratégico residual para o país. Um estudo da Fundação José Neves revelou que em 2022 foram apenas 46 os cursos que não registaram desemprego nos recém-licenciados. A única forma de aumentar as vagas e melhorar a qualidade nos cursos que a economia reclama - ciências de saúde e engenharia e tecnologias são os mais procurados, mas não os únicos - é reduzir o número de vagas nos cursos com empregabilidade saturada, mas as universidades não têm meios nem coragem para o fazer. É óbvio que todas as áreas do conhecimento são necessárias e importantes, mas tal não significa que devamos, todos os anos, inundar o país com milhares de licenciados em direito, sociologia, psicologia, comunicação, para referir apenas alguns. O sistema de ensino superior deve servir o país e não viver para se alimentar a si próprio.

O segundo aspeto crítico é a carreira docente universitária e politécnica, onde toda a gente beneficia de um regime de exclusividade, que em termos práticos se traduz em pagar mais aos docentes para fazerem menos. Em troca de um extra de um terço do salário, comprometem-se a não fazer mais nada para lá do que acontece dentro dos muros da instituição, divorciando-os da realidade da economia e das empresas. Esta bolha de conforto só poderá ser rompida se, mantendo as remunerações atuais, os docentes forem libertados do ridículo estatuto de exclusividade, o qual devia ser reservado apenas para quem ocupa cargos relevantes na instituição.

Por fim, a carreira de investigação, que sofre dos mesmos males da carreira docente. Os investigadores estão, de um modo geral, pouco interessados na translação do conhecimento para a economia real. Na sua esfera de conforto, onde frequentemente gozam de uma autonomia individual para decidir o que fazer, vão mimetizando os seus colegas docentes, mostrando muito pouco interesse na interação com as empresas. Neste contexto, com estruturas de liderança muito frouxas e ineficazes, a academia portuguesa lá vai trilhando o seu caminho, engordando, fechando-se e incumprindo a sua missão de motor do desenvolvimento do país.

Professor catedrático

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