O dever de defesa e o novo pacto cívico europeu

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A reavaliação das estruturas de recrutamento e a potencial reintrodução de um serviço nacional obrigatório, entendido num sentido amplo, que abarca componentes militares e cívicas, emergem como imperativo estratégico face à rápida degradação do contexto geopolítico europeu.

Não se trata de uma nostalgia de modelos pretéritos, mas de uma resposta racional ao défice estrutural de efetivos nas Forças Armadas e à urgência de reconstruir uma reserva mobilizável e restaurar a prontidão cívica das nações.

Entre os diversos países europeus, o caso alemão tornou-se particularmente ilustrativo das tensões que atravessam este debate. A proposta de um serviço voluntário enquadrado por um alistamento compulsório – por enquanto apenas para homens – expôs de forma crua a fratura social e estratégica instalada na Europa pós-Guerra Fria.

As manifestações estudantis de repúdio, frequentemente incentivadas por partidos de extrema-esquerda que instrumentalizam a causa pacifista, expuseram um grave défice de instrução cívica. Que jovens europeus expressem simpatia por regimes autoritários como o de Putin, ignorando o dever de defesa das democracias, é o sintoma mais agudo desta alienação cívica, da ausência de coesão intergeracional e da dramática ignorância quanto às ameaças à ordem liberal. Esta desorientação revela o quão distante se está de compreender os valores de liberdade, democracia e responsabilização coletiva que sustentam o projeto europeu.

A problemática central deste debate não é apenas militar, mas profundamente social e política. Um exército profissional, embora eficiente em missões especializadas, não garante a ligação vital entre as Forças Armadas e a Nação, nem assegura a difusão dos valores de defesa e soberania. O modelo alemão, ambíguo e desigual na sua aplicação, tornou-se politicamente controverso sem resolver o problema da massa crítica de defesa.

O comparativo com outros modelos europeus oferece lições relevantes. A Letónia, confrontada com uma ameaça existencial imediata, optou pela reintrodução integral do serviço militar obrigatório para homens. Já o paradigma dinamarquês propõe um caminho mais coerente e, para o caso português, mais inspirador: um serviço nacional obrigatório universal, de duração prolongada, que estabelece igualdade plena entre homens e mulheres perante o dever de defesa.

Este passo para a equidade cívica é essencial, pois transforma o serviço obrigatório num veículo de reforço da coesão social, obrigando diferentes estratos socioeconómicos e de género a partilharem a experiência e a responsabilidade da segurança nacional. O serviço, seja na vertente militar ou cívica, constitui um instrumento pedagógico indispensável para inculcar o sentido de pertença e o valor intrínseco de uma sociedade livre.

Embora a Defesa Nacional continue a ser um domínio de soberania exclusiva dos Estados-Membros, a natureza e a urgência das ameaças impõem uma coerência geoestratégica à escala europeia. A mobilidade juvenil, bem como a gestão da segurança das fronteiras externas da União, são matérias transversais que exigem um consenso alargado sobre responsabilidades partilhadas e sobre o próprio conceito de dever cívico europeu.

Persistir na fragmentação é penalizar quem assume sozinho o ónus do dever coletivo. Uma concertação europeia em torno do serviço nacional obrigatório, nas suas dimensões militar e cívica, representa hoje um imperativo de lealdade e de solidariedade estratégica.

Sem uma cultura europeia de dever e defesa partilhada, a segurança comum continuará a ser uma ficção estratégica.

Analista de Estratégia, Segurança e Defesa

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