A visita que o papa Leão XIV vai realizar à Turquia e ao Líbano não é apenas uma peregrinação espiritual. É um gesto político e ecuménico que acontece num momento carregado de simbolismo: os 1700 anos do Concílio de Niceia, marco fundador da maioria das igrejas cristãs. Ao encontrar-se com Bartolomeu I, patriarca ecuménico de Constantinopla, o papa segue os passos dos seus antecessores na aproximação ao mundo ortodoxo, que João Paulo II descreveu como o “outro pulmão” da Igreja. Juntas, as duas comunidades cristãs somam cerca de 1,7 mil milhões de fiéis, dos quais 300 milhões pertencem à ortodoxia.As diferenças doutrinárias entre católicos e ortodoxos, que estão separados desde o longínquo ano de 1054, são algumas. Vão além da eterna questão do filioque e incluem divergências sobre dogmas marianos, a conceção do purgatório e práticas litúrgicas como o tipo de pão usado na Eucaristia. Mas a disputa central continua a ser a primazia papal: Roma defende que o bispo de Roma é líder universal da Igreja, enquanto os ortodoxos sustentam um modelo autocéfalo, em que o Papa seria apenas o primus inter pares. É uma querela antiga, que no século XV levou alguns ortodoxos a preferir “o turbante turco à mitra latina”, mas que nas últimas décadas Roma e Constantinopla têm procurado suavizar.Esta aproximação é positiva não só para as duas igrejas, mas também para o mundo. A fronteira entre católicos e ortodoxos coincide, em larga medida, com a linha de fratura entre a Europa e a Rússia. Na Polónia, o catolicismo continua a ser um importante fator identitário, enquanto na Ucrânia os greco-católicos - cerca de dez milhões de fiéis - representam a segunda maior comunidade religiosa, sobretudo no oeste do país. Do outro lado, na Rússia e na Bielorrússia, os regimes de Putin e Lukashenko utilizam a ortodoxia como instrumento de unidade nacional e pan-eslava. O Patriarcado de Moscovo, aliado próximo do Kremlin, reflete muitas das posições políticas russas, desde a política externa às questões sociais. Para Putin, que invoca o combate ao “satanismo” na Ucrânia e recupera a ideia czarista de Moscovo como a “Terceira Roma”, esta instrumentalização da religião é conveniente e eficaz.Por isso, o encontro com Bartolomeu I, embora simbólico, não será suficiente para resolver as diferenças entre católicos e ortodoxos. O verdadeiro teste será o diálogo com Cirilo I, patriarca de Moscovo e de Toda a Rússia (conceito que inclui a Bielorrúsia). As relações entre o Vaticano e a Igreja Ortodoxa Russa têm sido tensas, mas houve recentemente sinais de reaproximação: em julho, Leão XIV recebeu no Vaticano o metropolita Antonij de Volokolamsk, número dois da Igreja Ortodoxa Russa, numa tentativa de retomar o diálogo interrompido pela guerra na Ucrânia. Resta saber se estes esforços ecuménicos poderão abrir caminho não apenas para a unidade cristã, mas também para uma paz duradoura na Europa.Diretor do Diário de Notícias