O Conselho Europeu de 19 de dezembro de 2025 revelou uma autonomia europeia construída através de um pragmatismo assertivo, respondendo aos desafios da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA e ao neo-imperialismo do Kremlin com a “arte do possível”.A primeira frente desta postura materializou-se no apoio à Ucrânia através de uma solução financeira sólida. Ao garantir 90 mil milhões de euros para o biénio 2026-2027, a UE assegura a Kiev a previsibilidade necessária para manter a sua autonomia de decisão, evitando o estrangulamento financeiro que Moscovo ambiciona. Esta solução, ao não confiscar de imediato o capital dos ativos russos, belisca pouco o processo de paz em curso, mas garante à Ucrânia salvaguardas para negociar soberanamente, sem a coação da insolvência.Ainda assim, a Europa permanece dependente da estrutura de segurança da NATO, uma interdependência que condiciona o alcance prático dessa autonomia estratégica proclamada.Simultaneamente, o acordo com o Mercosul exemplifica este realismo europeu, onde o compromisso político prevaleceu sobre pressões dilatatórias. Ao fixar a assinatura para janeiro de 2026, a UE esbateu as oposições de França e Polónia, transformando o acordo num facto politicamente decidido. É um passo calculado para colocar um pé na porta da América do Sul e romper o bloqueio implícito da esfera de influência americana. Para Portugal, o resultado é muito positivo, pois valida o eixo atlântico e garante que a Europa não abdica da sua projeção comercial numa área de influência histórica e linguística fundamental.Este movimento é reforçado pela irreversibilidade imposta ao alargamento aos Balcãs Ocidentais, com metas claras para Montenegro e Albânia servindo de autodefesa estratégica contra a subversão russa e a penetração chinesa.Contudo, por trás desta eficácia, subsiste uma apreensão quanto à coesão do bloco. A unidade europeia enfrenta uma tensão máxima, comprimida entre a interferência russa e a pressão transacional dos EUA, ao mesmo tempo que tenta o equilíbrio de aprofundar a coordenação em defesa enquanto gere um complexo processo de alargamento.Este Conselho revelou fissuras no eixo franco-alemão que não podem ser aprofundadas. Mais do que um conflito de estilos entre Paris e Berlim, trata-se de um desfasamento estrutural sobre política industrial, reforma orçamental e energia. Enquanto a França, fragilizada por um equilíbrio político precário e constrangimentos fiscais, procura uma diplomacia de compromisso, a Alemanha de Friedrich Merz insiste na disciplina rígida e numa linha externa assertiva face à Rússia. O desalinhamento ameaça o centro de gravidade europeu, abrindo espaço para competidores explorarem as divergências.Esta fragilidade é o terreno onde Putin opera a sua desagregação insidiosa. O Kremlin percebeu que influenciar políticas nacionais pode ser mais eficaz do que a guerra convencional; os casos da Hungria e da Eslováquia mostram como a “quinta coluna” nacionalista pode paralisar Bruxelas.O risco é que o nacionalismo isolacionista, alimentado pelo custo de vida e pelo cansaço da guerra, conquiste o coração da Europa. A audácia do Conselho em manter o rumo é relevante, mas insuficiente sem uma recomposição interna.O futuro do projeto dependerá menos da retórica do que da capacidade de traduzir o pragmatismo em coesão institucional e segurança partilhada. Só assim o realismo de hoje passará a constituir uma estratégia de sobrevivência sustentável para a União. Analista de Estratégia, Segurança e Defesa