Para início de conversa, e porque dispenso a dissimulação dos “isentos” e o fingimento dos que não tomam partido, uma declaração de intenções: votarei em João Cotrim Figueiredo nas próximas presidenciais por um conjunto de razões que detalharei neste mesmo espaço. Tendo consideração política e até estima pessoal por alguns dos demais candidatos, ancoro a minha escolha na coragem do ex-presidente da Iniciativa Liberal de tratar os portugueses como gente crescida, algo a que os portugueses nem terão especial apego e de que, também graças a uma década de pão e circo de Marcelo Rebelo de Sousa, se terão desabituado. Seja como for, o acto eleitoral de 18 de Janeiro tem feito com que me lembre vezes sem conta daquele ensaio de Lenine sobre a doença infantil do comunismo que considerava ser o esquerdismo. Tendo como pano de fundo para essa tese o fervor pós-revolução de 1917, lamentava que a aparente pureza doutrinária fosse um obstáculo a um novo modelo de sociedade. A dita candura convertia-se num frenesim pueril. A obsessão com a identificação de contradições inviabilizava quaisquer mudanças, sobretudo as que exigiam mais tempo. A hostilidade com aliados de circunstância desaguava num inavegável mar de sectarismo e de isolacionismo. Lenine cedo percebeu que o bolchevismo e o movimento operário pereceriam se, ao invés de pacientes e pragmáticos, fossem convulsos e inflexíveis. A esquerda pátria, unida somente por um anti-capitalismo primário e cada vez mais afastada do tecido social em que germinam novas revoltas e em que prosperam cantos de sereia, é useira e vezeira em fazer demonstrações de que o seu leninismo (assumindo ou mal disfarçado) é meramente proclamatório. São-no no verbo e pouco ou nada na acção. Veja-se o Livre, uma excrescência urbana e verde de um bloquismo que naufragou – pouco importa se numa geringonça burguesa ou numa traineira no Mediterrâneo -, cuja impetuosa frivolidade pouco mais provoca do que gargalhadas. Como daquela vez em que o seu líder sugeriu que existiam três blocos parlamentares – um deles infrequentável - e, portanto, caberia à AD e à IL viabilizarem um governo das esquerdas, que o Livre evidentemente integraria. Há duas semanas, reunida em assembleia de sócios, a “Tavares, Amigos (Excepto Paupério) e Jornalistas, Lda.” voltou a mostrar os dentes como fazem os canídeos de pequeno porte sempre que um cão maior ousa passar diante do seu portão. À falta de António Sampaio da Nóvoa ou de Ana Gomes, esses dois colossos da nossa democracia, o Livre, que do alto dos seus 4,07% recusa acoplar-se à candidatura de António José Seguro, identificou “tanta gente” disponível para ser inquilina do Palácio de Belém: de Mário Centeno a Elisa Ferreira, de Helena Roseta a Marta Temido, passando pela prata que, suspeito, nem na própria casa seja (re)conhecida. Todos, todos, todos, menos Seguro, autor moral do pecado do centrismo e da moderação. Como frisou o próprio Tavares, a esquerda vai para 20 anos sem ter poiso em Belém, pelo que chegou a hora de ganhar as presidenciais. Disse-o sem se rir e, em coerência, a sua comandita vai escolher quem apoia nas suas nem sempre muito abertas primárias, não excluindo inclusivamente virar-se para Catarina Martins ou António Filipe. Fosse Lenine vivo e estaria a produzir um panfleto inspirado na esquerda neoburguesa que o Livre corporiza. Uma esquerda que, reduzida à dimensão de um Chihuahua, teima em fazer-nos crer que tem o peso de um Mastim. Uma esquerda que diz querer morder os calcanhares ao Chega, mas não consegue mais do que roer os despojos do PS. Consultor de comunicação